Capítulo 4 Pactos de Cinzas

O espelho continuava lá, como uma sentinela silenciosa. Mas agora, Selena sabia que ele não era apenas vidro e moldura - era uma fronteira. Um limiar entre o que ela pensava ser e o que de fato era.

Na manhã após a entrega a Damien, o corpo de Selena reagia como se algo ancestral tivesse se reativado. Os dedos ardiam quando tocavam metal sagrado. O coração batia duas vezes a cada pulsação. E os olhos... seus olhos viam coisas que ninguém mais via.

Pela primeira vez, ela via as almas dos mortos.

Eles sussurravam no vento, vinham das paredes, da floresta ao redor. Pediam justiça, vingança, redenção. Mas acima de tudo... temiam.

Temiam Damien.

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Ela o encontrou na estufa da mansão, cuidando de uma flor negra - uma espécie que só nascia em solo envenenado por sangue real.

- Você me amaldiçoou - disse, a voz carregada de raiva e fascínio.

- Eu te tornei eterna - ele respondeu, sem olhar.

- À força.

Damien suspirou e deixou a flor. Aproximou-se.

- Você escolheu isso. Séculos atrás. O pacto foi seu.

- Eu não lembro!

- Mas seu corpo lembra. - Ele tocou sua cintura, e ela tremeu. - E seu sangue também.

Ela queria afastá-lo. Queria. Mas quando ele encostou os lábios em seu pescoço, não havia força no mundo que a fizesse resistir.

Ele a tomou ali mesmo, entre as flores envenenadas. Os espinhos rasgavam a pele de ambos, mas não importava. Era dor que queimava junto com o prazer. Um ciclo impossível de interromper.

Quando o momento cessou, Damien recuou, ofegante.

- Você está mudando mais rápido do que imaginei. A marca... ela está se completando.

- Que marca?

Damien puxou a manga da blusa de Selena. No braço, uma espiral negra desenhava-se sob a pele. Como fogo congelado em tinta viva.

- Quando ela fechar, o pacto estará selado. E nada mais poderá nos separar.

Selena recuou, enojada e excitada.

- Você está tentando me prender. De novo.

- Estou tentando nos salvar - ele sussurrou.

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Na cidade, rumores cresciam.

A antiga igreja foi profanada. Um padre foi encontrado morto, com os olhos queimados e o coração marcado com o símbolo da serpente - o mesmo da espiral no braço de Selena.

O povo murmurava.

- A herdeira do abismo voltou.

- A filha da noite.

- A rainha das cinzas.

Selena se isolou. Mas o espelho a chamava. E naquela noite, ela passou por ele.

Literalmente.

A superfície tornou-se líquida. E do outro lado havia um mundo de penumbra. Um castelo em ruínas. Um trono vazio. E uma figura sentada em degraus de pedra.

Ela mesma.

Selena de Elyria.

- Já é hora - disse a versão antiga. - Você precisa lembrar o que prometeu.

- Eu não sou você.

- Mas será. Está escrito. E o preço é sempre o mesmo: fogo, sangue... e amor.

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De volta ao mundo real, Selena confrontou Damien.

- Que pacto é esse, Damien?

Ele hesitou, depois respondeu:

- Você selou sua alma à minha para evitar que os mundos colidissem. Para manter as Sombras no lugar delas. Mas agora... os véus estão se abrindo.

- Porque você me tocou.

- Porque você quis ser tocada.

Selena o esbofeteou. Depois o beijou. Depois chorou nos braços dele.

- E se eu não quiser mais ser sua?

Ele olhou fundo em seus olhos.

- Então todos morreremos.

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Selena se ajoelha diante do espelho. A espiral em seu braço pulsa. Atrás dela, Damien a observa.

- Diga as palavras - sussurra ele.

Ela fecha os olhos.

E diz.

A língua não era humana. O som, primitivo. E quando termina, o espelho explode em cinzas. A marca em seu braço brilha. E ela cai de joelhos, ofegando.

Damien a segura.

- Está feito.

Selena olha para ele, devastada.

- E agora?

Ele sorri, sombrio.

- Agora, você me pertence.

            
            

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