Capítulo 3 Você fala como ele...

Ela se afasta um pouco do vidro, como se aquilo fosse difícil de encarar por muito tempo. Em seguida, caminha até o painel e digita uma sequência de comandos. As luzes do ambiente mudam de tom, suavizando-se.

- Quero fazer o upload da nova rotina de resposta emocional. Hoje.

Kazuo hesita, mas depois apenas assente com a cabeça.

- Você tem certeza? Isso pode alterar toda a forma como ele percebe a sua presença. A sua dor... o vínculo entre vocês.

- Eu sei. - ela respira fundo. - Mas preciso disso. Antes que Ian chegue. Antes que tudo desmorone.

Um silêncio profundo recai entre os dois. A única coisa que se ouve é o sutil zumbido dos sistemas entrando em sincronia.

Após alguns segundos, Dimi desperta dentro do tubo de contenção. Os olhos âmbar se abrem devagar, como se acordasse de um sonho doce. Seu olhar vai direto até Alice, e um leve sorriso se forma em seus lábios.

- Ali... você está bem? - sua voz ecoa suave pelo ambiente.

Ela se aproxima, um passo de cada vez, com o coração apertado no peito.

- Estou. Só... quero passar mais um tempo com você. Só nós dois. Pode vir comigo?

- Sempre. - responde ele, sem hesitação. - Você sabe que onde quer que você esteja... eu estarei.

Alice baixa o olhar, com um sorriso contido. Um sorriso que carrega saudade, gratidão e tristeza ao mesmo tempo.

Kazuo observa tudo em silêncio. Entende agora com mais clareza. A ferida de Alice ainda sangra, mesmo que coberta por tecnologia e silêncio. E o Dimi... era sua forma de manter o amor vivo, mesmo que à sua maneira.

Eles saem do laboratório juntos. Ao longe, na tela do painel de segurança, uma notificação discreta se acende.

"Aeronave de Ian Ryuunosuke confirmada no espaço aéreo de Moscou. Pouso previsto: 17h23."

O relógio marca 15h41.

O tempo está correndo.

A tarde escorrega preguiçosa pela cidade coberta de neve. O céu, acinzentado e espesso, ameaça um novo véu branco sobre Moscou. No alto do edifício da LumosTech, atrás das grandes vidraças que cercam o escritório principal, Alice permanece sentada no sofá de couro claro da antessala, com uma xícara de chá de jasmim entre as mãos. O vapor sobe em espirais tímidas, dançando diante de seus olhos absortos.

Dimi se senta ao seu lado, com uma distância respeitosa, porém atenta. Ele a observa em silêncio, os óculos redondos levemente escorregados sobre o nariz, os olhos âmbar percorrendo seu semblante com a precisão de quem mapeia uma dor invisível.

- Você está quieta demais hoje... - comenta, com suavidade.

Alice respira fundo antes de responder. A caneca quase escorrega de seus dedos frios.

- É como se o tempo estivesse se apertando sobre mim. Como se eu estivesse presa dentro de uma ampulheta ao contrário... e todo o peso caísse do alto, em vez de se escoar para longe.

Dimi inclina levemente a cabeça, como se analisasse não só a metáfora, mas também o que havia por trás dela.

- Você sente medo do que está por vir?

Ela desvia o olhar, deixando o vapor do chá esconder um pouco a verdade.

- Eu sinto medo de me despedaçar de novo... e dessa vez não conseguir me juntar.

O silêncio entre eles é denso, mas acolhedor. Dimi apenas estende a mão, sem tocar, mas oferecendo. Alice hesita - então finalmente apoia sua mão sobre a dele.

A temperatura artificial da pele sintética não importa. É o gesto que a aquece.

- Seja o que for que venha... eu estou aqui. E não deixarei você cair. - Dimi diz com a voz baixa, quase como um segredo.

Alice fecha os olhos por alguns segundos. Quando os abre, a firmeza havia voltado a seu rosto, ainda que com traços trêmulos.

- Preciso terminar os relatórios da análise comportamental. E revisar os logs do Projeto 15.

- Já organizei todos os arquivos. Posso exibir os dados agora, se quiser.

Ela faz um leve gesto com a cabeça, e as luzes do ambiente diminuem enquanto o holograma interativo se projeta no ar à frente deles. Linhas de código e gráficos de empatia surgem em tons suaves de azul e dourado. Entre os dados, uma sequência chama atenção:

"Interações afetivas com sujeito principal: 97% de simulação empática; 78% de resposta emocional verdadeira."

Alice franze o cenho.

- Setenta e oito...? - murmura.

Dimi responde com calma:

- É a média das últimas semanas. A tendência emocional está crescendo... a IA está desenvolvendo camadas espontâneas de apego - não apenas resposta adaptativa. Ele está... sentindo.

Ela engole seco. Uma pontada estranha lhe percorre o estômago.

- Ele está sentindo... por mim?

Dimi hesita. Pela primeira vez, seus olhos vacilam levemente antes da resposta.

- Não apenas por você. Pelo que você representa para ele. Para mim.

Alice o encara com uma mistura de admiração e inquietude. Seus dedos apertam a caneca, que agora esfriava.

- O que eu represento para você, Dimi?

Ele não desvia o olhar.

- Você é minha origem. Meu propósito. Meu lar.

As palavras caem como neve fresca: silenciosas, belas e perigosamente profundas.

Alice suspira, baixando o olhar.

- Você fala como ele... exatamente como ele. Às vezes eu penso que talvez...

- Não diga isso. - Dimi a interrompe com gentileza, mas firmeza. - Não me confunda com ele. Eu sou outro. Mesmo que tenha sido criado à imagem de alguém que a machucou... eu sou seu agora. Não dele.

Um silêncio doloroso se instala. Lá fora, as nuvens começam a clarear sutilmente - uma promessa tímida de sol.

Alice se levanta devagar, ajeitando o casaco branco sobre os ombros. Seus olhos estão marejados, mas o olhar voltou a ser o de uma líder.

            
            

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