Capítulo 5 Bar do pavel...

Era ali que ficava o Bar do Pavel.

Um refúgio antigo, quase esquecido pelo tempo, onde o calor vinha mais das pessoas do que da lareira. O letreiro enferrujado rangia com o vento, e mesmo assim, o interior sempre era acolhedor. Móveis de madeira escura, cortinas vermelhas pesadas, paredes cobertas de lembranças antigas, fotografias em preto e branco, e um leve cheiro de canela, couro e álcool envelhecido.

Alice empurrou a porta pesada com dificuldade. O sininho soou e, do outro lado do balcão, Pavel - um homem de barba espessa, olhar terno e mãos marcadas pelos anos - ergueu os olhos imediatamente.

Sem dizer uma palavra, apenas assentiu com a cabeça e apontou para o canto mais discreto do salão.

A mesa de sempre.

Reservada para ela. Sempre.

O lugar parecia aguardá-la como um velho amigo: iluminação baixa, uma vela acesa, e uma garrafa de uísque já aberta, com um único copo de vidro espesso ao lado. Pavel a conhecia bem demais. Sabia quando ela precisava conversar... e quando precisava apenas esquecer.

Alice sentou-se pesadamente, o corpo se desfazendo como neve ao sol. Serviu-se de uma dose, depois outra. E mais uma. Seus olhos vagueavam pela chama dançante da vela enquanto sua mente a arrastava para longe - para vozes que não estavam ali, para olhos âmbar que ainda a encaravam mesmo de olhos fechados.

- "Se ele é só um reflexo... por que eu continuo ouvindo o que ele me diz mesmo agora?"

As horas passavam. O bar seguia com sua música lenta e clientes discretos. Mas Alice afundava mais a cada gole. E Pavel observava com a preocupação silenciosa de quem já vira aquele olhar antes - o de quem está prestes a naufragar.

Com pesar, o velho tirou o pano de cima do ombro, caminhou lentamente até o telefone fixo atrás do balcão e discou um número que já conhecia de cor.

Do outro lado, uma voz soou cansada, mas atenta:

- Kazuo.

Pavel soltou um suspiro antes de falar, a voz grave e firme, mas carregada de empatia.

- Boa noite. Ela está aqui. Sozinha, na mesa de sempre. E hoje... hoje ela está mais embriagada do que o normal.

Houve silêncio por um momento na linha.

- Ela disse algo? - perguntou Kazuo, já se levantando de onde estivesse.

- Nada que eu possa repetir. Mas os olhos dela... estão cheios de palavras.

- Estou a caminho. - respondeu Kazuo, sem hesitar.

Pavel assentiu e desligou, lançando mais um olhar preocupado à figura curvada no canto do bar. Alice agora apoiava o rosto na mão, os olhos perdidos entre a vela e o vazio.

Ele sabia: aquela mulher não estava apenas embriagada de álcool... mas de lembranças, de mágoas, de fantasmas que não sabiam ficar no passado.

E, em breve, Kazuo cruzaria aquela porta.

Kazuo soltou um suspiro ao vê-la recusar pela terceira vez o casaco que ele segurava estendido. A nevasca lá fora já lambia as janelas do bar com dedos gelados, mas Alice continuava sentada, firme, os olhos fixos na taça entre os dedos.

- "Alice, vamos. Você não precisa passar a noite aqui... Eu levo você pra casa. É perigoso nessa estrada com essa neblina. Você está exausta, está... vulnerável."

Ela ergueu os olhos, cansados mas decididos, e forçou um sorriso - um daqueles que escondem as rachaduras mais profundas.

- "Obrigada, Kazuo... Mas eu preciso de um tempo sozinha. Eu só quero um pouco de silêncio antes de tudo."

- "Sozinha? Você mal consegue ficar em pé." - ele retrucou, num tom que oscilava entre frustração e medo. - "Me deixa pelo menos te acompanhar até lá em cima. Eu não ficaria em paz se você..."

Alice levantou uma das mãos, pedindo silêncio, mas o gesto foi delicado, quase um carinho.

- "Eu entendo sua preocupação, e agradeço de verdade. Mas amanhã ele vai estar lá, entende? Vai bater naquela porta. E eu... eu preciso encarar isso com a cabeça limpa. Eu vou pra casa. Marta estará me esperando. Ela sempre me espera. E..." - ela desviou o olhar por um segundo, hesitando - "...Dimi também vai estar lá. Ele... cuida de mim."

Kazuo baixou o olhar, apertando o casaco contra o peito. Seu maxilar travado denunciava o quanto estava contrariando a própria vontade ao aceitar aquilo. Por fim, ele assentiu devagar, resignado, mas com os olhos cheios de uma dor impotente.

- "Você promete que vai me chamar se precisar?"

- "Prometo." - ela respondeu sem hesitar, embora a voz vacilasse no final.

- "E promete que vai deixar a Marta ligar se algo parecer errado?"

- "Kazuo..." - ela sorriu, tocando levemente a mão dele antes de seguir em direção à porta. - "Está tudo sob controle. Amanhã tudo se resolve. Eu só... preciso dormir com meus fantasmas por mais uma noite."

Ele não teve mais palavras. Apenas a observou sair - a silhueta esguia desaparecendo na cortina de neve que engolia a rua deserta.

Lá fora, o vento uivava baixo, como se lamentasse por ela.

Pavel apareceu ao lado dele, servindo outro copo com um aceno silencioso.

- "Ela é feita de vidro e aço, esse tipo de mulher. Quebrada por dentro... mas ainda de pé."

Kazuo aceitou o copo, sem tirar os olhos da porta.

- "E é justamente isso que me apavora..."

A neve acumulava-se no parapeito das janelas quando Alice enfim chegou em casa. Cambaleante, os passos ecoavam pesados no piso de madeira polida, misturando-se ao som abafado do vento do lado de fora. As botas úmidas deixavam pegadas irregulares até o hall de entrada.

Marta surgiu quase de imediato, vinda da cozinha com expressão apreensiva. Ela segurava um pano de prato e seus olhos atentos rapidamente captaram o estado da patroa.

- "Senhorita Alice, eu preciso lhe dizer algo importante..."

Mas Alice, visivelmente alterada, ergueu uma mão com um gesto preguiçoso e autoritário, o riso enroscando-se nas palavras arrastadas:

                         

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