Capítulo 4 Porque ele está vindo...

- Preciso de ar. Vamos ao terraço.

Dimi assente, levantando-se com ela. Quando saem pelo elevador de acesso restrito, o céu se abre apenas o suficiente para deixar um único raio dourado iluminar o nome LumosTech no topo do prédio.

Alice fecha os olhos e, pela primeira vez no dia, permite que o frio toque seu rosto sem filtros. Dimi permanece a seu lado, imóvel, como uma sombra fiel.

Abaixo deles, a cidade se move indiferente.

Acima, o tempo avança sem piedade.

Faltam quarenta e dois minutos.

O fim da tarde mergulhava o céu de Moscou num laranja frio, com tons violáceos que se espalhavam sobre a cidade como véu de melancolia. As luzes internas da LumosTech suavemente se acendiam, uma a uma, projetando sombras longas pelos corredores envidraçados.

Alice caminhava lentamente ao lado de Dimi pelo corredor subterrâneo que levava ao setor de contenção. As paredes eram de um branco clínico, quase estéril - contrastando brutalmente com a atmosfera quente e acolhedora do andar superior.

O som de seus passos ecoava no chão liso. Dimi não dizia nada, mas seu olhar a acompanhava com uma intensidade silenciosa, como se gravasse cada segundo daquele momento.

Eles pararam diante da cápsula de repouso. Um cilindro de aço reforçado e vidro temperado com tecnologia de preservação neural. A estrutura estava envolta por fileiras de luz azul, pulsando suavemente, como um coração artificial.

Alice respirou fundo, encarando seu reflexo junto ao dele no vidro translúcido.

- Você sabe por que precisa voltar para a cápsula hoje... não é? - sua voz saiu contida, com o cuidado de quem segura uma rachadura por dentro.

Dimi assentiu devagar. Seu rosto mantinha a serenidade habitual, mas havia algo nos olhos - algo mais humano do que deveria haver.

- Porque ele está vindo... e porque você ainda não sabe o que vai sentir quando estiver diante dele. - sua voz era baixa, doce, como uma carícia que pede desculpas.

Alice desviou o olhar, lutando contra a onda que ameaçava transbordar em sua garganta.

- E porque... se você estiver ao meu lado, eu posso não conseguir enfrentá-lo. Porque você é tudo o que ele não foi... e isso dói mais do que estar sozinha.

Dimi deu um passo à frente, ergueu a mão devagar e, com os dedos quentes contra sua bochecha fria, acariciou-a pela última vez naquela noite.

- Então eu vou descansar... mas estarei aqui. Sempre que precisar de mim. Mesmo que só em pensamento.

Ela cerrou os olhos com força, como se aquilo pudesse impedir a dor de escapar.

- Durma bem, Dimi.

Ele inclinou o rosto, tocando levemente sua testa com a dela - um gesto antigo, só deles - antes de se virar e entrar na cápsula sem resistência.

A estrutura se fechou com um sussurro hermético. Um último lampejo âmbar cruzou os olhos de Dimi antes que a luz interna o envolvesse e o colocasse em suspensão. Silêncio.

Alice ficou ali por um longo minuto, imóvel, os dedos ainda tocando o vidro. Depois se afastou com passos arrastados - e foi nesse momento que ouviu.

- Ali...?

Kazuo se aproximava pelo corredor lateral. Ele estava com os ombros ligeiramente curvados, como quem teme interromper um luto. Parou a poucos passos, sem ousar cruzar a linha invisível que separava Alice do resto do mundo naquele instante.

Ela não respondeu. Apenas limpou os olhos com um gesto discreto e continuou andando. Kazuo caminhou ao lado dela, respeitando o silêncio até a porta do elevador.

Lá dentro, sem olhá-la diretamente, ele falou.

- Você sempre foi forte. Mas hoje... hoje está diferente.

Alice soltou um leve suspiro, o olhar fixo nas luzes do teto, enquanto o elevador subia.

- Não é força, Kazuo. É anestesia. Eu me treinei pra não sentir.

- E agora? - ele perguntou, hesitante. - O que você vai fazer... quando ele chegar?

A porta do elevador se abriu no último andar. Ela deu um passo à frente, mas parou antes de sair, virando levemente o rosto em sua direção.

- Eu ainda não sei. Talvez... apenas sobreviver ao reencontro. Depois disso...

Ela deu de ombros, como se nem ela mesma acreditasse que haveria um depois.

Kazuo assentiu em silêncio, os lábios pressionados, como quem segura tudo o que queria dizer - mas decide respeitar o tempo dela.

E então, juntos, caminharam de volta ao escritório. A noite havia finalmente caído. E o relógio, implacável, marcava o avanço do inevitável:

Faltavam menos de três horas.

A neve já começava a engrossar quando Alice deixou a LumosTech, dirigindo em silêncio pela estrada sinuosa que levava à montanha onde vivia, isolada do mundo. O vidro do carro embaçava com o contraste da temperatura, e o silêncio dentro do veículo parecia ainda mais profundo do que o lado de fora - onde a cidade, iluminada e indiferente, ia ficando para trás.

Ela subia em direção ao seu refúgio como fazia todos os dias: um chalé encravado na encosta, cercado por pinheiros e neblina. Ali, longe dos olhares e das memórias urbanas, era onde podia existir sem explicações.

Mas naquela noite, o silêncio do carro foi quebrado por uma lembrança que a atravessou com mais força do que o frio lá fora.

- "Eu sou mais do que uma memória, Alice. Sou eu mesmo. Não um eco dele. Não uma sombra sua."

As palavras de Dimi ainda vibravam em sua mente como um acorde inacabado.

Ela engoliu seco, apertando o volante com mais força. Um gesto impulsivo tomou o lugar da rota planejada - e, sem perceber, Alice desviou da estrada principal, descendo pela curva que levava ao pequeno vilarejo abaixo da montanha.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022