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Uma semana.
Seté dias inteiros desde a chuva, desde o observatório, desde o momento que não aconteceu.
Luca contou cada um.
Ele voltou ao parque todos as tardes depois da escola, esperando. Levou seu telescópio portátil na quarta-feira, pensando que talvez isso atraísse Daniel como as constelações atraíam ele. Na sexta, ficou até o sol se pôr, fingindo ler um livro sobre nebulosas enquanto seus olhos escaneavam cada sombra.
Nada.
- Talvez ele esteja doente- Marina sugeriu na noite do sétimo dia, espetando um pedaço de frango com o garfo.
Luca empurrou o purê de batatas no prato, formando pequenas montanhas.
- Ou ocupado.
- Ou evitando você- sua irmã completou, sem filtro.
O garfo de Luca rangiu contra o prato.
- Obrigado pela ajuda, Mari.
Ela suspirou, colocando a mão sobre a dele.
- Olha, só tô dizendo... se ele quisesse te ver, você já teria encontrado ele, né?
Luca sabia que ela estava certa. E essa era a parte que mais doía.
Daniel não estava doente.
Ele estava, na verdade, sentado no chão de seu quarto, cercado por esboços rasgados. Flores murchas. Céus nublados. E, para seu desespero, um rosto que insistia em aparecer em cada folha, não importa o quanto ele tentasse desenhar outra coisa.
Luca.
Seu lápis quebrou contra o papel com a pressão.
- Filho!- a voz de seu pai ecoou lá embaixo. - Desce aqui, por favor!
Daniel engoliu seco, limpando as mãos sujas de grafite nas calças antes de descer as escadas.
Seu pai estava na sala, com a postura rígida de sempre, segurando uma carta.
- Chegou hoje- ele disse, estendendo o envelope. - Da Escola de Belas Artes do Rio.
Daniel sentiu um frio na espinha. Ele sabia o que aquilo significava. O teste de admissão que fez em segredo no mês passado. A chance de sair daquela cidade minúscula e seus sussurros sufocantes.
- Abre- seu pai ordenou.
As mãos de Daniel tremiam ao rasgar o envelope. Ele leu o conteúdo rapidamente, depois novamente, mais devagar, para ter certeza.
"Temos o prazer de informar..."
- Passei- a voz saiu rouca.
Seu pai não sorriu. Apenas acenou com a cabeça, como se já esperasse aquilo.
- Bom. Agora você para com essa bobagem de arte e foca nos estudos sérios. O vestibular de direito é em-
- Eu não quero fazer direito- Daniel interrompeu, tão baixo que quase não se ouviu.
O silêncio que se seguiu foi mais assustador que qualquer gritaria.
- O que você disse?- seu pai perguntou, cada palavra cortante como uma lâmina.
Daniel levantou o rosto, e pela primeira vez em anos, não baixou os olhos.
- Eu vou para a Escola de Belas Artes.
O tapa veio rápido, mas a dor levou um segundo para chegar. Daniel levou a mão à bochecha ardendo, atordoado.
- Enquanto você viver sob meu teto, você vai fazer o que eu mandar- seu pai cuspiu. - Entendeu?
Daniel não respondeu. Apenas virou-se e subiu as escadas, trancando a porta do quarto atrás de si.
Foi só então, encostado na madeira fria, que ele permitiu que as lágrimas caíssem.
E em meio ao turbilhão de emoções, uma única imagem o confortava: Luca, sorrindo sob a chuva, chamando-o de "artista" como se fosse algo bonito.
No oitavo dia, Luca desistiu.
Ele estava atravessando a praça principal, de fones de ouvido, quando algo - ou alguém - chamou sua atenção.
Na vitrine da pequena livraria da cidade, de costas para a rua, estava uma silhueta familiar. Cabelos castanhos encaracolados, ombros curvados sobre um livro.
Daniel.
Luca tirou os fones num piscar de olhos. Seu coração acelerou, mas uma onda de raiva logo o seguiu. Sete dias sem uma mensagem, sem um sinal. E agora lá estava ele, agindo como se nada tivesse acontecido?
Ele quase virou e foi embora. Quase.
Mas então Daniel virou-se, e Luca viu.
O olho roxo.
Sem pensar, ele empurrou a porta da livraria, fazendo o sino tilintar violentamente. Daniel ergueu o rosto, e seus olhos se arregalaram ao ver Luca.
- O que aconteceu?- Luca exigiu, alcançando o rosto de Daniel antes que pudesse recuar.
Daniel afastou-se como se tivesse sido queimado.
- Nada. Caí.
- Caí onde? Na porra de um soco?- Luca não conseguiu disfarçar a raiva.
Alguns clientes viraram-se para olhar. Daniel corou profundamente, pegando sua mochila.
- Não é da sua conta, Luca.
Ele tentou passar por Luca, mas este segurou seu pulso.
- Espera. Por favor.
Algo na voz de Luca fez Daniel parar. Eles ficaram ali, no corredor de livros usados, respirando o mesmo ar pesado.
- Por que você sumiu?- Luca perguntou, mais suave agora.
Daniel fechou os olhos por um segundo, como se reunindo forças.
- Eu tive que pensar.
- Pensar no quê?
Em nós. A resposta não dita pairou entre eles.
- Não posso fazer isso- Daniel murmurou, finalmente. - Não aqui. Não agora.
Luca sentiu como se tivesse levado um soco no estômago.
- Então quando? Onde?
- Eu vou embora, Luca- Daniel confessou, os olhos brilhando. - Para o Rio. Passei no teste da Escola de Belas Artes.
A notícia atingiu Luca como um balde de água fria.
- Quando?
- Dois meses.
Luca soltou o pulso de Daniel, atordoado.
- E você ia embora sem me dizer?
Daniel não respondeu. Não precisava.
- Eu te levo em casa- Luca disse abruptamente.
- Não precisa-
- Não é discussão- Luca cortou, pegando a mochila de Daniel. - Vamos.
Para sua surpresa, Daniel não discutiu. Apenas seguiu Luca para fora, mantendo uma distância cuidadosa entre eles.
A casa de Daniel ficava na parte mais antiga da cidade, uma construção de tijolos vermelhos com jardim descuidado. Luca parou no portão, repentinamente nervoso.
- Seu pai?- ele perguntou, lembrando da marca no rosto de Daniel.
- Trabalhando. Até tarde- Daniel respondeu, abrindo o portão.
Eles entraram em silêncio. O interior era impecavelmente limpo, mas frio - como se ninguém realmente vivesse ali.
Daniel levou Luca até seu quarto no andar de cima, trancando a porta atrás deles. O espaço era pequeno, mas cada centímetro gritava personalidade. Pinturas cobriam as paredes, algumas em telas, outras diretamente na parede. Flores. Rostos. E, para a surpresa de Luca, várias constelações cuidadosamente desenhadas acima da cama.
- Você desenhou as estrelas- Luca observou, tocando a parede.
Daniel encolheu os ombros, sentando-se na cama.
- Eu gostei da forma como você as descreveu.
Luca não soube o que dizer. Em vez disso, sentou-se ao lado de Daniel, deixando um espaço cuidadoso entre eles.
- Ele bate em você sempre?
Daniel demorou a responder.
- Não fisicamente. Hoje foi... especial.
- Porque você disse que vai estudar arte.
- Sim.
Luca cerrou os punhos.
- Eu podia-
- Não- Daniel interrompeu, firme. - Isso não é seu problema.
- Eu quero que seja- Luca disse antes que pudesse pensar melhor.
O ar entre eles ficou carregado. Daniel olhou para Luca, seus olhos escuros cheios de conflitos.
- Por que você está fazendo isso?- ele sussurrou.
- Porque eu gosto de você- a resposta saiu fácil, como se sempre tivesse estado esperando para ser dita. - E acho que você gosta de mim também.
Daniel fechou os olhos, como se estivesse com dor.
- Luca, eu não posso-
- Não diga que é porque você vai embora- Luca interrompeu. - Dois meses é muito tempo.
- Não é só isso- Daniel abriu os olhos, e Luca viu o medo neles. - Você não entende. Aqui, nessa cidade... as pessoas falam. Meu pai...
- Então a gente não conta pra ninguém- Luca sugeriu, movendo-se mais perto. - Só nós dois sabemos.
Daniel balançou a cabeça, mas não se afastou quando Luca levantou a mão para tocar seu rosto machucado.
- Isso é uma má ideia- ele respirou, mesmo enquanto inclinava o rosto para o toque.
- A melhor que eu já tive- Luca murmurou, fechando a distância entre eles.
Desta vez, não houve porta batendo, nem trovão, nem interrupções.
Apenas seus lábios se encontrando, suaves e hesitantes no começo, depois com mais certeza quando Daniel finalmente respondeu ao beijo, seus dedos se agarrando ao moletim de Luca como um homem se afogando.
Quando se separaram, ofegantes, Daniel estava tremendo.
- Isso não muda nada- ele disse, mas sua voz falhou.
Luca sorriu, encostando a testa na dele.
- Muda tudo.