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Rangel começou aquele namoro como uma estratégia de marketing, despreocupada. Mas agora, tudo parecia diferente, ele percebeu que não fez uma boa escolha, pois ela era vulnerável demais. O olhar dela já não era de julgamento ou medo. Pela primeira vez, ele sentia que alguém mais próximo, o via além da imagem construída para os jornais, pois ela não fazia perguntas ou críticas, lhe ouvia e apoiava gentilmente, com otimismo e ainda parecia muito grata, por tudo o que ele fazia, principalmente pagar pela companhia dela.
E pela primeira vez, ele se perguntava se aquilo era apenas um papel dela, uma obrigação ou algo que ele queria que fosse verdade.
Os encontros tinham prazo de validade, Tayanara começou a imaginar, mas e se, pela primeira vez repentinamente, nenhum deles quisesse que o prazo acabasse? E ele avançasse o sinal, quebrando regras.
Na cabeça dela, o mundo era pequeno demais para coincidências e coisas tão clichês, porém ela gostava de fantasiar que talvez fosse o destino tentando pregar uma peça, a fazendo gostar do namorado de mentira.
Rangel achou graça dela estar o evitando e a convidou para ir acompanhar um treino, Tayanara se arrumou bem, como podia, maquiagem caprichada, roupas que pelo menos visualmente, não estragadas, colocou uma saia longa, camiseta simples, tênis casual, ela fazia questão de ir encontrar Rangel no local marcado ou na casa dele, porque queria esconder onde morava.
Ele estava a esperando na garagem, já dentro do carro, quando o uber chegou, ele foi abrindo o portão, ela entrou no carro séria, deu bom dia, ele ficou olhando pelo canto dos olhos, reparando que ela parecia diferente, talvez triste ou envergonhada, postaram uma foto, dele dirigindo com a mão na perna dela, ela ficou apreensiva com a respiração ofegante, mãos suando frio, ele percebeu porque entrelaçou na dele, para fazer um vídeo que representava carinho.
Assim que chegaram no local, Rangel comentou como lá funcionava, e algo ruim já aconteceu, eles precisavam entrar por uma catraca, que Tayanara não passava, Rangel entrou na frente distraído e ao ouvi-la o chamando logo atrás, se virou e notou o constrangimento dela, mas demorou alguns segundos para entender, Tayanara sorriu sutilmente:
- Não consigo passar, digo, não me cabe.
Rangel voltou para trás, chamou um funcionário que a deixou passar por uma porta, Tayanara ficou cética, sem saber como puxar assunto, teve vergonha de si, Rangel queria fingir que nada aconteceu, mas perguntou com certo deboche:
- Ae Tay, já pensou em começar a treinar?
- Vamos ficar no hype. Eu pago tudo!
- Vou ver se consigo uma avaliação hoje.
Ela não respondeu como gostaria, porque chegaram pessoas perto, ela estava em pé, mexendo no celular, viu um rosto que lhe pareceu familiar.
Tayanara nunca imaginou que veria Lipe novamente. Quando eram crianças, ele era seu porto seguro. O único que nunca riu dela, que nunca a fez sentir como um erro. Mas o tempo passou, cada um seguiu sua vida, e o contato se perdeu. Agora, anos depois, ele estava ali, parado diante dela, e pior, trabalhando com Rangel.
Eles se reencontraram onde a equipe treinava, Lipe fazia parte da equipe médica do lutador. Mas naquele momento, nada disso importava. O choque de ver sua amiga de infância, a garota que costumava dividir lanches e segredos com ele, ao lado do maior cafajeste do circuito, era mais impactante do que qualquer luta que ele já tivesse assistido.
- Tayanara?! - Ele piscou várias vezes, como se estivesse tentando se certificar de que não era uma miragem.
- Oi, Lipe... - a voz dela saiu hesitante.
- O que você está fazendo aqui? - Ele olhou para Rangel ao lado dela, as mãos dele descansando de forma casual na cintura de Tayanara, como se quisesse marcar território.
Rangel percebeu a tensão, mas apenas observou, divertido.
- Ela é minha namorada - Rangel respondeu antes que Tayanara pudesse formular uma desculpa.
Lipe franziu a testa, claramente confuso. Essa era a mesma Tayanara que sempre foi tímida, insegura e discreta? A mesma que ele conhecia melhor do que ninguém? Algo estava errado. Muito errado.
O desconforto foi imediato. Ele olhou nos olhos da amiga e viu algo que só quem a conheceu de verdade poderia perceber: medo. Não de Rangel, mas de ser exposta. De ser questionada.
- Você... vocês estão juntos? - Lipe repetiu, dessa vez direcionando a pergunta a Tayanara.
Ela quis responder com confiança, quis sustentar o papel que deveria interpretar. Mas antes que conseguisse, sentiu o olhar afiado do amigo. Ele sabia. Ele sabia que algo estava errado.
E naquele momento, Tayanara percebeu que, pela primeira vez, alguém poderia destruir seu segredo. Ela sorriu nervosa, disse que sim.
O reencontro com Lipe durou poucos minutos. Rápidos, sufocados, interrompidos antes mesmo que Tayanara pudesse sentir qualquer conforto na presença dele.
Rangel percebeu a conexão entre os dois assim que os olhares se encontraram. Talvez tenha sido o jeito como Lipe disse o nome dela, com surpresa e familiaridade. Ou talvez tenha sido a forma como os olhos de Tayanara se iluminaram por um instante, como se algo dentro dela tivesse se lembrado do que era ser reconhecida de verdade. Ele não gostou.
Rangel nunca foi do tipo sentimentalista. Mas no jogo da aparência, ele sabia que não podia perder o controle da narrativa, e naquele momento, uma antiga amizade parecia um risco. Ele não ia deixar que Lipe tivesse tempo para perguntas. Para dúvidas. Para brechas.
- Precisamos ir, amor, quero você me assistindo - ele disse, com um tom propositalmente firme.
Tayanara piscou, confusa, e Lipe franziu a testa. "Amor?" A palavra soou deslocada, errada, forçada. Rangel deslizou a mão pela cintura dela, puxando-a sutilmente para perto, marcando território como se sua presença ao lado dela precisasse ser reafirmada.
Lipe sentiu uma pontada incômoda no estômago. Algo estava muito errado ali.
- A gente ainda pode conversar depois, certo? - Lipe insistiu, tentando ignorar a hostilidade implícita.
Tayanara abriu a boca para responder, mas Rangel foi mais rápido.
- Não sei se vai dar tempo. Temos uma agenda cheia, ela não sai sem mim - ele disse, com um sorriso que não alcançava os olhos.