Capítulo 5 5

A ideia de Rangel era simples: fazer algo por Tayanara que mostrasse que ele prestava atenção nela. Que ele via além da farsa e o acordo. Por isso, planejou uma viagem para um museu de literatura, algo que sabia que a interessava, mesmo sem ela nunca falar diretamente sobre isso.

Para completar o gesto, comprou um vestido para ela, fez reserva em um restaurante de luxo. O vestido era um azul bebê, de alças delicadas e tecido justo de bandagem, desenhado para moldar as curvas. Ele o deixou em cima da cama do quarto que ela usava quando ficava na casa dele, imaginando que seria uma surpresa agradável, que qualquer mulher iria gostar.

O problema foi que ele nunca pensou no que aquilo significaria para Tayanara, caso desse errado.

Tayanara chegou na sexta-feira à noite, pronta para mais uma sessão de fotos falsas para sustentar o relacionamento de fachada, ela chegou de cabelo solto molhado, cheirosa, sem maquiagem, estava parecendo triste com algo, olhar cético.

Quando pisou na casa de Rangel, ele a recebeu com um sorriso discreto.

- Antes do jantar, tenho uma surpresa pra você - ele disse, indicando que ela o seguisse até o quarto.

Ela hesitou, mas o acompanhou séria. Quando entrou, viu o vestido cuidadosamente dobrado sobre a cama. Por um instante, seus olhos brilharam com um misto de encanto e receio. O tecido era lindo. A cor era suave, feminina. Mas logo um pensamento cruzou sua mente como uma lâmina afiada: não vai servir.

- Eu... eu não posso usar isso - ela murmurou, sem olhar para ele.

Rangel franziu a testa, confuso.

- Claro que pode. Eu mandei pegar um tamanho grande, justamente pra garantir.

O erro veio em seguida.

- Um vestido enorme, para mulheres gordas como você. E ele estica!

Ele não disse com maldade. Ele não queria machucar. Mas as palavras caíram sobre Tayanara como um golpe impossível de bloquear. Ela apertou os lábios, sentindo o coração acelerar, e quis recusar de novo. Mas Rangel já estava impaciente.

- Experimenta, vai - ele insistiu, cruzando os braços.

O peso do olhar dele sobre ela fez com que aceitasse. Mas o desastre aconteceu rápido, ela pegou o vestido, fechou a porta e foi experimentar.

Quando tentou vestir, sentiu o tecido apertar nos lugares errados, o zíper travar, e antes que pudesse reagir, ouviu um rasgo alto. O zíper se partiu completamente na lateral, e com o movimento brusco, uma das alças estourou. Foi a gota d'água.

Tayanara sentiu a vergonha explodir dentro dela como fogo e correu para o banheiro antes que ele visse seu rosto. Trancou-se ali, sentindo o coração disparado, com as lágrimas escorrendo antes mesmo que pudesse contê-las. Ficou falando sozinha:

- Eu sou ridícula. Isso nunca deveria ter acontecido.

Do lado de fora, Rangel piscou, sem entender. Notando a demora.

- Tayanara?

Abriu a porta e espiou, ele se aproximou da porta do banheiro, bateu algumas vezes.

- Tá tudo bem?

Ouviu só o silêncio, insistiu confuso.

- Abre essa porta.

Mas ela não abriu. E naquele momento, ele percebeu que, sem querer, tinha destruído algo que nem sabia que era tão frágil, pode ouvi-la chorando muito.

Aquele presente trouxe um impacto emocional muito forte, mostrando como Rangel, sem perceber, foi um gatilho nos traumas de Tayanara ao tentar "resolver" o problema da forma errada.

O silêncio dentro do banheiro era denso, ele ficou perdido, sem saber o que fazer e deduziu que não serviu.

Tayanara sentia o peito apertado, os olhos inchados, o vestido rasgado jogado no chão como um lembrete cruel do que aconteceu ecda realidade dela. Ela não tinha forças para sair. Sabia que, do lado de fora, Rangel ainda estava esperando, chamando seu nome, insistindo para que ela abrisse a porta. Mas ela não conseguia, sabia que ele nunca entenderia.

Não queria encará-lo. Não queria nem encarar a si mesma.

Só quando percebeu que o tempo tinha passado e que finalmente estava sozinha no quarto, encontrou coragem para sair.

Ela limpou o rosto, respirou fundo e se vestiu com a primeira peça que encontrou no quarto, um vestido largo, confortável, que escondia tudo o que ela queria esconder. Quando se aproximou da porta, sentiu o coração bater mais forte, antecipando o que precisava fazer, saiu do quarto apreensiva.

Rangel estava sentado no sofá, mexendo no celular distraidamente. Mas assim que viu Tayanara, levantou-se imediatamente.

- Tayanara...

- Eu vou embora. - A voz dela saiu baixa, mas firme. - Eu não quero continuar com isso.

Os olhos dele se estreitaram.

- Espera, o que você quer dizer com isso? Só por um vestido?

Ela engoliu seco.

- Eu não posso mais fazer isso. Eu não quero.

Rangel não sabia o que responder. Ele não gostava de ouvir "não", nunca lidou bem com recusas. Mas agora, vendo a expressão dela, algo dentro dele disse que precisava agir rápido antes que fosse tarde demais.

Ele pensou no que dizer. Pensou em um jeito de consertar a situação. E então, como um impulso, soltou a ideia:

- Olha... Se você não gosta do seu corpo, eu posso te ajudar com isso.

Tayanara franziu a testa perplexa.

- Ajudar...?

Rangel a encarou com orgulho do que iria dizer.

- Sim. Eu posso pagar pra você emagrecer. Fazer uma plástica 360 graus, mudar tudo que você não gosta. Você pode ter um nutricionista, um acompanhamento... o que for preciso.

Foi como um soco no estômago.

As palavras entraram nela como lâminas invisíveis, cortando tudo que ainda restava intacto. Por um momento, ela não reagiu.

Porque sabia que, na cabeça de Rangel, aquilo era uma solução. Sabia que ele realmente achava que estava oferecendo uma saída.

Mas a única coisa que ele fez foi confirmar a insegurança dela. Ela se lembrou da festa de escola. Se lembrou das risadas, nos empregos em que ela sofria por ser gordinha.

Se lembrou das vozes dizendo que ninguém nunca olharia para ela como mulher, que ela nunca seria o suficiente. E agora, Rangel reforçava tudo isso, ele era um homem forte, vaidoso, bem de vida.

A diferença era que agora não eram adolescentes zombando. Era um homem adulto, sem perceber, oferecendo uma "solução" como se o problema fosse ela.

O brilho nos olhos dela desapareceu completamente. Ela não chorou. Não gritou.

Apenas ficou ali, olhando para ele, decepcionada, machucada. E pela primeira vez, Rangel percebeu que tinha errado feio e teve pena dela, por ser como era.

Ele tentou disfarçar, disse que ia tomar um banho, para saírem e conversarem melhor, Tayanara esperou.

Ela sabia que, Rangel iria tomar banho, desligar-se do mundo por alguns minutos, acreditando que tudo ainda estava sob controle. E foi nesse intervalo que ela fez o que precisava fazer.

Pegou a bolsa, retirou cuidadosamente o dinheiro que havia recebido pelo fim de semana, e o deixou dobrado sobre a mesa de jantar. Não queria levar nada dele. Não queria sentir que, de alguma forma, ainda estava presa a tudo aquilo. Ela não aguentava mais.

Não aguentava ser lembrada, repetidamente, de que não era o tipo de mulher que ele realmente enxergaria. Não aguentava ser tratada como um projeto que precisava ser consertado.

                         

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