Capítulo 5 Ecos Na Penumbra

A mansão estava mergulhada em silêncio, cortado apenas pelo som da chuva fina que persistia lá fora, pingando ritmicamente contra as janelas amplas. A noite havia avançado, e cada um dos moradores já se encontrava em seus aposentos. Álvaro, acomodado no quarto de hóspedes ao lado do de Emilly, repousava na poltrona próxima à janela, ainda vestido, com a camisa aberta nos punhos e o colarinho desabotoado. Seus olhos fixos na escuridão do jardim pareciam enxergar muito além da vidraça.

O quarto era confortável, decorado com tons neutros e móveis de madeira escura. Ainda assim, o espaço lhe parecia estranho - como se estivesse habitando não apenas um novo ambiente, mas uma vida que já deixara para trás. A presença de Jhonatan, o reencontro com Emilly, o peso das ameaças... tudo isso fazia com que aquela noite fosse impossível de simplesmente terminar com o apagar da luz.

Passou a mão pelos cabelos e se inclinou para trás, afundando no encosto da poltrona.

Sua mente, inquieta, retornou aos velhos tempos - aos corredores movimentados da universidade, às noites em claro entre livros e risadas, aos anos em que ele e Jhonatan eram inseparáveis. Jovens promissores, ambiciosos, e sempre cercados por mulheres fascinadas por suas presenças marcantes. Álvaro, com seu charme rude e olhar magnético; Jhonatan, com sua inteligência refinada e aura de poder que já despontava. Viviam intensamente, como se o mundo fosse deles. E por um tempo, de fato, foi.

Álvaro sorriu de canto ao lembrar de algumas dessas histórias - encontros fugazes, paixões rápidas, nenhuma delas profunda o suficiente para deixar marcas. Nenhuma, até que...

O pensamento foi interrompido por uma imagem repentina.

Emilly.

Não a jovem que jantara com ele horas antes, com os olhos curiosos e o sorriso contido, mas a menininha de cabelos soltos e olhos grandes, correndo pelo jardim da mansão, com um desenho na mão para mostrar ao "tio Álvaro". Lembrava-se de como ela se agarrava à sua perna quando ele se despedia. Ela tinha algo... inocente, doce, protetor. Como uma lembrança que o mundo não deveria corromper.

Mas aquela imagem agora se dissolvia, sendo substituída pela mulher que vira mais cedo - segura, bonita, com um brilho diferente no olhar. Um brilho que ele reconheceu com um certo desconforto. Um brilho que provocava algo nele que não deveria estar ali.

- Droga... - murmurou, apertando o maxilar e fechando os olhos.

Não podia pensar nela daquele jeito. Era filha de Jhonatan. Era... apenas uma garota. Ou era isso que ele tentava convencer a si mesmo.

Se levantou e começou a andar pelo quarto. Cada passo ecoava baixinho no assoalho polido. O silêncio agora parecia pesado, como se a casa estivesse segurando a respiração.

Ele se aproximou da parede que o separava do quarto ao lado.

O quarto dela.

Fechou os olhos por um instante, como se pudesse apagar aquela linha tênue entre lembrança e a nova sensação que começara a despontar em seu coração.

Não podia se permitir.

Estava ali por um propósito, uma missão. Proteger Emilly, custasse o que custasse.

Mas o destino, sempre irônico, havia decidido colocar todos os fantasmas em uma mesma casa naquela noite.

A noite avançava tranquila, envolta pelo som ritmado da chuva lá fora. No quarto suavemente iluminado apenas pela luz do abajur, Emilly dormia profundamente, enroscada entre os lençóis brancos de linho, o cabelo espalhado como uma moldura sobre o travesseiro.

Mas sua mente estava longe da calma que o sono prometia.

Ela sonhava. E seu sonho era tudo, menos inocente.

Em meio à névoa onírica, estava de volta ao jardim da mansão, porém agora era uma mulher - segura, ciente do próprio corpo, do próprio desejo. O sol banhava sua pele, e à sua frente estava Álvaro. Ele usava uma camisa branca parcialmente aberta, os botões inferiores ignorados, revelando o peito firme e bronzeado. Os olhos dele ardiam em um tom mais escuro, intensos, famintos.

Ela se aproximava dele, os dedos tocando o tecido da camisa enquanto seus corpos iam se aproximando.

- Você cresceu... - ele murmurava com a voz rouca.

Ela sorria, provocativa.

- E você continua me olhando como se eu ainda tivesse doze anos?

Ele a encarava por um longo instante, então sussurrava:

- Não. Agora... eu vejo a mulher.

O toque de suas mãos era firme, quente. A puxava pela cintura e colava seus corpos. Os lábios dele deslizavam pelo pescoço dela, e Emilly arfava, sentindo um arrepio percorrer-lhe a espinha. Seus corpos se encaixavam com naturalidade, como se o tempo apenas os tivesse preparado para aquele momento. Suas mãos exploravam, sua respiração se misturava. Os beijos, urgentes. Os toques, precisos. Ela sentia sua pele em brasa. Sentia-se viva.

E então... despertou.

Emilly abriu os olhos abruptamente, o coração acelerado. Estava coberta por uma fina camada de suor, e o quarto parecia mais quente que o normal. Passou a mão pela testa e sentou-se na cama, tentando recuperar o fôlego. O sonho ainda pulsava nela, vívido, real demais. Seu corpo reagia às lembranças daquele toque imaginado. As pernas trêmulas, o ventre em chamas.

Levanta-se devagar, ainda atordoada, os pés tocando o chão frio. Estava usando seu baby doll preferido - de cetim cor champanhe, curto, com renda delicada no decote que moldava os seios com suavidade sensual. O tecido se colava ao corpo quente, ressaltando suas curvas com leveza. Precisava de água. Ar. Controle.

Desceu os degraus com cuidado, a mansão envolta em penumbra. Na cozinha, abriu a geladeira e pegou uma garrafa de água, bebendo direto do gargalo. O líquido frio desceu cortando o calor que ainda queimava por dentro.

Do outro lado da casa, Álvaro, que dormia com sono leve e alerta treinado, acordou ao escutar os passos suaves no assoalho. Um som abafado, mas distinto. Imediatamente entrou em estado de atenção. Pegou a pistola guardada no compartimento secreto da mala - não por paranoia, mas por hábito - e seguiu em silêncio até o corredor. Ao descer, manteve os olhos atentos, os sentidos aguçados.

Virando o corredor, chegou até a entrada da cozinha... e congelou.

Lá estava ela.

Emilly.

De costas para ele, a luz suave da geladeira iluminando seu corpo com um brilho quase etéreo. O baby doll de cetim colado às curvas acentuava a silhueta feminina, madura. O cabelo caía sobre os ombros nus. Havia algo de hipnotizante naquela imagem - como uma visão proibida e tentadora.

Ela se virou ao sentir sua presença. Os olhos se encontraram.

Por um segundo, o tempo parou.

Álvaro baixou lentamente a arma, constrangido.

- Emilly... sou eu. Desculpe. Achei que... fosse outra coisa.

A voz dele estava grave, levemente rouca.

Ela ficou imóvel por um instante, surpresa, os olhos se arregalando levemente - não por medo, mas pelo impacto da cena.

- Eu só... tive um sonho estranho - disse, tentando soar casual, embora o rubor subisse-lhe pelas bochechas. - Precisava de água.

Ele assentiu, os olhos ainda cravados nela, desviando apenas por educação, não por falta de vontade de olhar.

- Não queria assustá-la. Reflexo antigo - explicou. - Dormir leve faz parte do trabalho.

- E agora você é parte da nossa rotina - disse ela, quase num sussurro.

Havia uma tensão suspensa entre os dois. Não dita, mas quase palpável.

Ele limpou a garganta, tentando dissipar o clima.

- Volte a dormir, Emilly. Tudo está sob controle.

Ela assentiu, mas demorou alguns segundos a mais do que o necessário para sair da cozinha.

Ao passar por ele, seus braços se roçaram de leve. Um toque breve, acidental - mas que incendiou mais que qualquer palavra.

Quando ela subiu as escadas, Álvaro permaneceu ali, imóvel. Ainda segurando a respiração. Ainda sentindo o perfume que ela deixara no ar.

Sim, aquilo ia ser mais difícil do que ele imaginava.

                         

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