Capítulo 2 O Rosto Que Nunca Esqueci

O som insistente do despertador rompeu o silêncio do quarto como um alerta impiedoso. Eram seis horas da manhã.

Jhonatan Angel se sentou à beira da cama, os olhos ainda turvos de sono e a mente carregada pelos ecos da madrugada anterior. Nada do que fizera - nem a tentativa de descanso, nem o uísque que tomara antes de dormir - fora suficiente para dissipar a ameaça que agora pesava sobre seus ombros como uma sombra viva.

No banheiro, diante do amplo espelho iluminado, o vapor da água quente começava a embaçar a superfície. Mas o reflexo era claro o bastante para revelar seu cansaço. As olheiras marcadas sob os olhos elegantes, a rigidez nos ombros, a tensão estampada em cada linha de seu rosto.

A imagem da luz vermelha piscando no gravador, a voz fria e ameaçadora, e a visão de Emilly dormindo pacificamente - tudo se misturava em sua mente como um pesadelo recorrente.

"Você vai me pagar com o que mais ama..."

Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Ele pegou a escova de dentes, percebendo o leve tremor em seus dedos. A frase não saía da sua cabeça. Talvez fosse apenas uma bravata, como em outras vezes. Mas o tom... o tom carregado de ódio e vingança era diferente. Familiar. Intenso.

Após um banho rápido, vestiu-se com sua habitual elegância - terno escuro, camisa impecável, gravata alinhada. Mas havia uma rigidez incomum em seus gestos. Cada movimento parecia medido, como se seu corpo sentisse o peso da decisão que se aproximava.

Na cozinha, o aroma de café recém-passado preenchia o ambiente. Clarice Perez, a governanta da casa e figura materna de Emilly desde pequena, observava Jhonatan em silêncio.

Seus olhos atentos captaram imediatamente o semblante carregado do patrão.

- O senhor dormiu bem, Jhonatan? - perguntou, com voz suave e cautelosa.

Ele tentou esboçar um sorriso, mas o gesto morreu antes de se formar completamente.

- Apenas uma noite difícil... negócios - respondeu, desviando o olhar.

Mas a verdade fervia em sua língua. Ele precisava de alguém. E Clarice, com sua lealdade inabalável e carinho por Emilly, era a confidente mais segura que poderia ter.

- Clarice... - começou, mais sério. - Recebi uma mensagem ontem à noite. Uma ameaça.

Os olhos dela se arregalaram, e a xícara que segurava foi pousada com um leve clique no balcão.

- Uma ameaça? Contra quem?

Jhonatan olhou para cima, para o andar superior, onde Emilly ainda dormia alheia ao caos silencioso que se instaurava.

- Contra o que eu mais amo - disse, enfim, a voz grave e carregada de emoção. - E você sabe quem é.

Clarice ficou imóvel por um instante, processando o que ouvira. Seus olhos encontraram os dele com uma intensidade protetora.

- Precisamos protegê-la, Jhonatan - disse com firmeza. - Precisamos fazer alguma coisa.

Ele assentiu lentamente.

- Eu sei. E já decidi... - Pegou o celular. Desta vez, a mão não tremia. - Está na hora de ligar para um velho amigo.

Clarice não perguntou o nome. Ela sabia.

Jhonatan já digitava os primeiros números do celular quando o telefone fixo da casa tocou, ecoando com um timbre agudo e urgente pela cozinha silenciosa.

Clarice, ainda ao lado do balcão, olhou para ele assustada. Jhonatan franziu o cenho.

- Às seis e quarenta da manhã? - murmurou, mais para si.

Sem hesitar, Clarice atravessou a cozinha e atendeu.

- Casa dos Angel! - disse com sua voz cordial e firme.

Mas do outro lado, o que veio não foi uma resposta - foi um soco gélido de palavras.

- Jhonatan Angel, o preço da sua dívida já foi dado... - disse a voz rouca, mecânica, carregada de ameaça.

Clarice empalideceu, seus olhos se arregalaram, e sua mão tremeu. Jhonatan, vendo a mudança súbita em sua expressão, avançou com pressa e tomou o telefone de suas mãos.

- Quem é você? O que você quer?! - bradou ele, com o sangue pulsando nas têmporas.

Silêncio.

A linha ficou muda por um segundo interminável, como se o próprio tempo prendesse a respiração.

Então, veio um último sussurro, grave e cortante como uma lâmina:

- Você já sabe... cuide bem dela. O tempo está correndo.

A ligação caiu.

Jhonatan permaneceu imóvel por um momento, o fone ainda colado ao ouvido, como se esperasse algo mais. Nada. O sinal de desligado ressoava agora como um aviso fúnebre.

Ele baixou o telefone lentamente, os olhos fixos em algum ponto invisível na parede, o corpo tenso.

Clarice se aproximou, a voz embargada.

- Era... ele?

Jhonatan assentiu, o maxilar travado.

- Estão nos vigiando. Sabem que hesitei... e agora estão indo além das palavras.

Virou-se e pegou o celular de novo. Dessa vez, terminou de digitar o número completo.

- Chega de esperar. Álvaro precisa vir. Agora.

Do outro lado da linha, após alguns toques, uma voz firme e levemente rouca pelo sono que acabara de ser interrompido atendeu.

- Castelhano. Quem fala?

Jhonatan respirou fundo antes de responder. A voz do velho amigo lhe trouxe um certo alívio, ainda que momentâneo.

- Álvaro... sou eu. Jhonatan.

Houve uma breve pausa, seguida de um tom mais calmo, mas atento:

- Jhonatan? Há quanto tempo... Aconteceu alguma coisa?

- Sim... - a voz de Jhonatan vacilou por um instante, traindo a tensão que ele tentava disfarçar. - Eu preciso da sua ajuda. É urgente. É sobre Emilly.

Do outro lado, Álvaro silenciou. O nome dela, mesmo dito após tantos anos, teve um peso diferente. Ele se endireitou na cama onde ainda estava deitado, os sentidos aguçados.

- Emilly está bem?

- Por enquanto, sim. Mas recebi uma ameaça. Direta. E essa manhã... a ligação se repetiu. Estão observando minha casa, Álvaro. Estão me avisando que ela é o preço da minha dívida. - A voz de Jhonatan endureceu. - Não posso correr riscos. Não com ela.

Álvaro se levantou, já andando de um lado para o outro enquanto falava, como se se preparasse para a missão.

- Você quer que eu vá até aí? Para protegê-la?

- Não quero. Eu preciso. - Jhonatan foi direto. - Preciso de alguém em quem confie mais do que em qualquer sistema de segurança, e esse alguém é você. Eu sei que é pedir demais, que deixei de confiar certas coisas a você no passado... mas é a vida da minha filha, Álvaro.

Silêncio por alguns segundos.

- Me mande o endereço atualizado. Estou a caminho.

- Obrigado, meu amigo... - Jhonatan exalou, quase num sussurro.

- Não me agradeça. Só me diga tudo quando eu chegar. E Jhonatan...

- Sim?

- Não deixe Emilly sozinha. Nem por um segundo.

A ligação foi encerrada, e Jhonatan permaneceu alguns segundos olhando para a tela do celular, um misto de culpa, alívio e medo ainda borbulhando em seu peito.

Ele não sabia o que o futuro reservava, mas tinha certeza de uma coisa: o homem certo estava a caminho.

            
            

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