/0/14776/coverbig.jpg?v=867212d054336601f403761a96e075a0)
A manhã fria e silenciosa contrastava brutalmente com a tensão que pairava no ar dentro da mansão. O sábado preguiçoso de Emilly seguia seu curso normal, alheio à escuridão que rondava sua segurança.
Enquanto o tempo parecia se arrastar para Jhonatan e Clarice, cada minuto carregado de apreensão, para Emilly, o sol da manhã quebrando timidamente pelas cortinas de seu quarto anunciava um dia de descanso e tranquilidade. Ela se espreguiçou preguiçosamente sob as cobertas macias, um sorriso sonolento curvando seus lábios.
O aroma fraco de café fresco que subia do andar de baixo invadiu seu quarto, um convite sutil para despertar completamente. Com um bocejo suave, ela se sentou na cama, os cabelos castanhos ainda bagunçados pelo sono.
Seu olhar percorreu o quarto familiar, pousando em seus cadernos sobre a escrivaninha, onde tantas de suas observações e pensamentos ganhavam vida. Uma pontada de curiosidade a invadiu, lembrando-a de uma nova ideia que surgira em sua mente na noite anterior, antes de o sono a envolver.
Ela se levantou, os pés descalços tocando o carpete macio, e caminhou até a janela. Afastou levemente a cortina, espiando o jardim encharcado pela chuva da noite anterior. O céu ainda estava nublado, com tons acinzentados, mas a intensidade da chuva havia cessado, deixando para trás um ar úmido e gelado.
Enquanto observava as gotas de água que ainda adornavam as folhas das árvores, um pensamento sobre a morte de sua mãe cruzou sua mente, como uma sombra passageira. A persistente falta de respostas, a aparente falta de interesse de seu pai em investigar a fundo, tudo continuava a incomodá-la, uma ponta de curiosidade que nunca a abandonava.
Ela suspirou, afastando esses pensamentos sombrios. Hoje era sábado, um dia para relaxar e se dedicar às suas paixões. Talvez passasse a manhã escrevendo, explorando as novas ideias que fervilhavam em sua mente.
No andar de baixo, Jhonatan e Clarice aguardavam a chegada de Álvaro, a tensão palpável no ar. Cada ruído da casa os fazia sobressaltar, cada som de carro na rua gerava uma ponta de esperança misturada ao medo.
Jhonatan olhava constantemente para o relógio, a ansiedade corroendo sua paciência. Clarice tentava manter a calma, oferecendo palavras de conforto e preparando um café mais forte para o patrão.
"Ele vai chegar logo, Jhonatan," dizia ela, sua voz suave tentando acalmar a tempestade interior do patrão. "Álvaro é um homem de palavra."
Mas a imagem da mensagem ameaçadora e a lembrança da voz fria não abandonavam a mente de Jhonatan. Ele sabia que o tempo era crucial e que, até a chegada de Álvaro, Emilly permanecia vulnerável em sua própria casa.
A urgência de Jhonatan ecoava nas ações rápidas e precisas de Álvaro. Em seu apartamento, a rotina matinal foi sumariamente ignorada. O tempo era um luxo que não podia ser desperdiçado.
Com movimentos rápidos e eficientes, típicos de quem passou anos sob a disciplina militar, Álvaro reuniu apenas o essencial. Uma mochila tática escura foi aberta sobre a cama, engolindo em seu interior uma pistola desmontada, carregadores extras, uma faca tática de lâmina preta e um kit de primeiros socorros compacto. Sem hesitar, vestiu uma calça jeans escura, uma camiseta preta discreta e uma jaqueta de couro surrada, peças que lhe conferiam mobilidade e um ar casual, contrastando com a letalidade do que carregava consigo.
Seus olhos escuros e penetrantes percorreram o apartamento, certificando-se de que nada fosse deixado para trás que pudesse indicar seu destino ou a urgência da situação. A pequena cicatriz próxima à sobrancelha esquerda parecia mais proeminente sob a luz fria da manhã, uma lembrança silenciosa de um passado que ele tentava deixar para trás, mas que agora o chamava de volta à ação.
Sem perder um segundo, Álvaro saiu do apartamento, trancando a porta com um clique seco e determinado. No corredor silencioso do prédio, seus passos rápidos ecoavam como um prenúncio da velocidade com que ele se deslocaria.
No estacionamento subterrâneo, a luz artificial realçava o brilho metálico de seu carro: um Audi RS3 preto, discreto, mas potente. Ele destravou as portas com um bipe suave, adentrando o veículo com a agilidade de um felino.
O motor roncou assim que a ignição foi acionada, um som grave que ecoou pelas paredes de concreto. Sem hesitar, Álvaro engatou a marcha e saiu do estacionamento, os pneus cantando levemente ao ganhar a rua.
A cidade ainda despertava sob a névoa fria da manhã de sábado, o tráfego esparso permitindo que Álvaro imprimisse uma velocidade considerável ao veículo. Seus olhos fixos na estrada, as mãos firmes no volante, sua mente já traçava rotas, antecipava cenários, avaliava ameaças. Aquele instinto de proteção, adormecido desde que deixara o militarismo, despertava com força diante do pedido desesperado de Jhonatan.
A viagem parecia uma eternidade, cada quilômetro percorrido era um passo mais perto do perigo que rondava a mansão dos Angel. Álvaro sabia que Jhonatan não o teria chamado se a situação não fosse grave. E a menção a Emilly... a imagem da jovem que ele vira brevemente no funeral da mãe, uma criança frágil em meio à dor, acendia em seu peito um senso de proteção ainda maior.
O asfalto desfilava sob os pneus do Audi enquanto Álvaro cortava o vento, a determinação estampada em cada linha de seu rosto. Ele chegaria a tempo. Ele tinha que chegar a tempo.
A atmosfera carregada na mansão não passou despercebida pelos sentidos mais apurados de Emilly. Mesmo que tentassem disfarçar, a tensão sutil que pairava no ar era palpável, diferente da habitual tranquilidade dos sábados de manhã.
Enquanto tomava seu café na espaçosa cozinha, a luz fraca da manhã de inverno entrando pelas grandes janelas, Emilly observava atentamente o comportamento de seu pai e de Clarice. Jhonatan estava estranhamente quieto, seus olhos fixos no celular que segurava com uma força incomum, e sua testa franzida denunciava uma preocupação que ele tentava, sem sucesso, esconder.
Clarice, geralmente tão sorridente e falante enquanto preparava o café da manhã, movia-se pela cozinha com uma pressa contida, seus olhares para Jhonatan carregados de uma apreensão silenciosa. As conversas entre eles eram sussurradas, interrompidas por silêncios desconfortáveis.
Emilly, que não era mais a menina ingênua de alguns anos atrás, percebeu a mudança no humor da casa. Aquele não era um sábado comum. Uma sensação de estranheza, um pressentimento vago de que algo estava errado, começou a se instalar em seu peito.
"Pai?" ela perguntou, sua voz suave quebrando o silêncio tenso da cozinha. "Está tudo bem? Você parece... preocupado."
Jhonatan ergueu os olhos do celular, um sorriso forçado tentando mascarar sua ansiedade.
"Tudo bem, querida. Apenas alguns problemas de negócios. Nada com que você precise se preocupar."
Mas o tom evasivo e o olhar que evitava o seu não convenceram Emilly. Ela conhecia as nuances das expressões de seu pai, as pequenas mentiras que ele contava para protegê-la. E desta vez, a preocupação parecia genuína, profunda.
Ela olhou para Clarice, buscando um apoio silencioso. A governanta lhe lançou um olhar rápido, carregado de uma tristeza contida, antes de desviar o olhar para a pia, onde lavava uma xícara com uma intensidade desnecessária.
O silêncio retornou à cozinha, ainda mais pesado que antes. Emilly sentia a tensão crescendo, como uma nuvem escura pairando sobre eles. Sua curiosidade, sempre presente, agora era tingida por uma ponta de apreensão. O que estava acontecendo? Por que o clima na casa estava tão estranho?
Ela terminou seu café em silêncio, observando cada movimento de seu pai e de Clarice. A sensação de que algo estava errado se intensificava a cada minuto, e Emilly sabia que não poderia simplesmente ignorar aquele pressentimento incômodo. Ela precisava descobrir o que estava acontecendo.
Não contendo sua curiosidade pela estranha situação, Emilly foi até a Clarice, a quem ela chamava carinhosamente de Nice. " Você vai me dizer o que está acontecendo?" O que poderia está acontecendo querida?! Nada, como seu pai disse, apenas questões de trabalho, você não tem como o que se preocupar, agora termine seu café da manhã." Disse Clarice tentando disfarçar a situação.
A resposta evasiva de Clarice apenas atiçou ainda mais a curiosidade de Emilly. A tentativa da governanta de minimizar a situação, com um tom que soava forçado e um olhar que não encontrava o seu, só confirmou para a jovem que algo de incomum estava acontecendo.
"Nice," Emilly insistiu, sua voz agora carregada de uma seriedade incomum para uma manhã de sábado. Ela se aproximou de Clarice, colocando uma mão suave em seu braço. "Eu não sou mais criança. Eu percebo quando as coisas não estão normais. Meu pai está tenso, você está estranha... Por favor, me diga a verdade. O que está acontecendo?"
Clarice suspirou, seus olhos pretos encontrando finalmente os de Emilly. Havia uma luta visível em sua expressão, entre a lealdade a Jhonatan e o carinho genuíno pela jovem. Ela sabia que Emilly era inteligente e persistente, e que não desistiria facilmente.
"Querida," Clarice começou, sua voz agora mais baixa, quase um sussurro, como se temesse ser ouvida. "Seu pai recebeu... algumas mensagens. Nada confirmado, apenas... preocupações."
"Que tipo de preocupações?" Emilly pressionou, sua mente já trabalhando em mil teorias. Seria algo relacionado aos negócios do pai? Algum problema financeiro? Ou algo mais... pessoal?
Antes que Clarice pudesse responder, a campainha da mansão tocou, o som ecoando pelo silêncio tenso da casa. Jhonatan, que até então observava a interação das duas com uma expressão ansiosa, sobressaltou-se.
"Deve ser ele," murmurou, levantando-se bruscamente.
"Ele quem, pai?" Emilly perguntou, a curiosidade e a apreensão se misturando em seu tom.
Jhonatan hesitou por um instante, olhando para Emilly com uma expressão indecifrável. Ele sabia que precisava explicar, pelo menos em parte, o que estava acontecendo.
"É um amigo," ele disse, sua voz ainda tensa. "Um velho amigo que veio nos visitar."
Mas a maneira como ele evitou seu olhar e a urgência em seus movimentos não passaram despercebidas por Emilly. Ela sentia que havia muito mais por trás daquela "visita inesperada".
"Clarice, leve-o até meu escritório" - disse Jhonatan com tom eufórico se dirigindo ao escritório ficava ao lado da imensa sala de estar.
Clarice assentiu indo em direção a entrada da luxuosa mansão. Ao abrir a porta com uma expressão mista de alívio e surpresa se separou com a imagem de um homem de presença firme, postura reta e olhar penetrante. Fazia anos desde a última vez que o vira.
- Álvaro... - disse, quase sem acreditar. - Que bom ver você.
- Clarice. - Ele assentiu com um leve sorriso, mas seus olhos já buscavam o interior da casa. - Jhonatan?
- No escritório. Entre, vou leva-lo até ele. - Ela hesitou um instante, antes de dizer num tom mais baixo: - Emilly está na cozinha.
Álvaro entrou, e assim que seus pés pisaram no mármore frio do saguão, algo dentro dele se retesou. Estava em território delicado, onde o passado e o presente colidiriam com força.
Subitamente, uma voz leve ecoou se aproximando.
"Nice...?"
Álvaro virou-se. E lá estava ela.
Emilly Angel.
Não mais a adolescente de olhos curiosos e passos leves que ele mal notara em visitas esporádicas. Agora, uma jovem mulher, cabelos castanhos cortados em um chanel moderno, olhos castanhos com um brilho de inocência teimosa, e uma presença que, sem esforço, tomava o espaço ao redor.
Ela congelou ao vê-lo. O coração disparou. Mesmo com o passar dos anos, aquele rosto... aquele olhar. Álvaro Castelhano estava ali, real, de carne e osso - mais maduro, mais intenso.
- Você... - murmurou, ao se aproximar . - Álvaro?
Ele ficou firme, mas seus olhos suavizaram. Reconheceu nela algo que nunca esquecera completamente: a maneira como ela o olhava, como se fosse mais que um guarda-costas, mais que um velho amigo de seu pai.
- Olá, Emilly - disse com a voz baixa, firme. - Faz tempo.
Sem tirar os olhos dele. Não sabia se estava sonhando, ou se o destino resolvera brincar com suas lembranças.
- O que você está fazendo aqui?
Antes que ele respondesse, Jhonatan apareceu na porta do escritório, a tensão estampada em seu rosto.
- Emilly - disse, se aproximando. - Álvaro veio passar um tempo conosco. Assuntos de trabalho querida.
Ela olhou para o pai, depois de volta para Álvaro, tentando esconder a confusão em seu olhar.
- Claro, pai... - respondeu, mas seu coração dizia outra coisa.
Álvaro manteve-se sério, mas dentro de si, algo se movia. Uma centelha acesa onde não deveria haver fogo.
Mal sabiam eles que aquele reencontro era o primeiro passo para uma história que mudaria suas vidas - com segredos, perigo... e um amor que nenhum deles estava pronto para enfrentar.