- Aqui tudo parece... suspenso. Como se o tempo não se atrevesse a avançar.
- É porque não avança. Não desde o massacre. - Selene respondeu, a voz baixa.
Eles atravessaram a ponte de pedra, onde marcas de garras ainda decoravam os pilares. Cruzaram ruas tomadas pelo mato, onde crianças-lobo um dia brincaram, e passaram pela antiga fonte - agora seca - onde o sangue do primeiro Alfa foi derramado.
Selene sabia o caminho. O livro em sua posse parecia puxá-la, como uma bússola viva.
- O templo da Lua Sangrante. É lá que ela me escondeu. - Selene murmurou. - Minha mãe selou o que restou do primeiro uivo ali. E deixou o resto dentro de mim.
O templo era uma construção semi-soterrada, cravada no coração de uma colina, esculpida com runas tão antigas que apenas a sombra ousava lê-las.
Quando entraram, uma lufada de ar pútrido os envolveu.
- Isso está ativo. - Elías comentou, alerta.
- Ela selou com o próprio sangue. Não era um selo de tranca. Era um selo de promessa.
Nas paredes, havia pinturas desbotadas: um lobo negro de olhos vermelhos, uma mulher grávida diante da lua, e uma figura encapuzada, ofertando dentes aos céus.
Selene parou diante do altar. Ao tocá-lo, a pedra recuou, revelando uma escadaria descendente.
- Você tem certeza...? - Elías começou.
- Nunca. - Selene respondeu, descendo.
O que encontraram lá embaixo não era um túmulo. Era um berço. Um círculo de ossos, envolto por correntes prateadas que flutuavam no ar, girando em silêncio.
No centro, um espelho.
Selene se aproximou. Sua imagem refletida não era a atual. Era a de si mesma ainda criança - olhos abertos, boca sussurrando sem voz, mãos estendidas.
- Isso é... você? - Elías perguntou.
- É o que restou. O fragmento que minha mãe selou. Ela me dividiu em duas. - Selene tocou o vidro. - Um lado livre. Outro preso ao passado. Agora preciso unificá-las.
Ao tocar o espelho, foi puxada para dentro.
Selene estava em outro tempo. Ysmara viva. As ruas cheias de lobos em forma humana, em rituais sob a lua. Ela viu sua mãe - jovem, com olhos cor de tempestade, e um homem de cabelos vermelhos: seu pai.
- Você prometeu. - dizia ele.
- Promessas não impedem o caos. Só o adiam. - a mãe respondeu.
- Ela vai carregar o sangue. Você sabe disso.
- Então que seja forte o bastante para gritar contra o destino.
Selene gritou. O espelho se quebrou. E ela voltou.
No subterrâneo, Elías a segurava nos braços.
- Você ficou presa por minutos. Mas seus olhos... estavam prateados.
- Eu vi tudo. - Selene se ergueu, tremendo. - Meus pais... eles sabiam. Sabiam que eu nasceria como a Chave. E esconderam isso não só do mundo. Esconderam de mim.
O altar começou a se mover sozinho. O livro em sua posse brilhou, e uma voz antiga ecoou:
- "O Filho do Fim conhece seu nome. Mas a Filha da Lua conhece sua linhagem."
As correntes do berço se quebraram, e do fundo da estrutura, emergiu um cristal negro. Nele, pulsava um coração.
Selene o tocou.
- Isso... isso é o uivo.
Elías arregalou os olhos.
- Selene, isso é perigoso. Isso é o que o caçador quer. Isso é o que pode despertar os outros.
Ela o encarou.
- E se eu não usá-lo... ele vai. Se não formos nós a decidirmos o fim, será ele. E eu me recuso a deixar o mundo morrer nas mãos de quem nunca chorou por ele.
Ela guardou o cristal. O templo tremeu.
- Hora de sair daqui.
- E depois?
Selene olhou para o leste.
- Depois... vamos até as Terras Vazias. Onde o primeiro Caçador foi exilado. É hora de entender o que ele se tornou.
Eles partiram. Mas enquanto se afastavam, em uma caverna distante, o Filho do Fim abriu os olhos. E sorriu.
- Finalmente... o coração do uivo está em movimento. E com ele... o apocalipse virá vestido de lobo.