- Aqui. - ela disse, parando diante de uma igreja desmoronada. - O Salão das Lâminas era um antigo templo antes de ser convertido em quartel dos caçadores. E antes disso, era um lugar de rituais
.
Marcus assobiou, admirando as paredes rachadas.
- Um lugar com mais histórias enterradas do que cadáveres. Sente o cheiro? Ferrugem, carne velha e magia suprimida. Esse é o perfume do pecado.
Elías passou os dedos pelas inscrições nas colunas.
- Este símbolo aqui... é o mesmo que havia no Rasgado. - Ele se virou para Selene. - Sua mãe era sacerdotisa?
Selene hesitou.
- Ela era mais que isso. Era uma guardiã. Mas caiu em desgraça quando recusou entregar o sangue da linhagem ao Conselho.
- Então o que guardava está aqui embaixo. - Marcus já chutava pedras, abrindo caminho por uma fenda na parede.
Desceram por uma escada de pedra escondida sob o altar. O ar ali dentro era mais denso. Cada degrau parecia gritar sob seus pés.
No fim da escada, encontraram uma cripta selada por runas.
Selene se aproximou e colocou o colar contra o centro do círculo. As runas brilharam com um brilho pálido, e a porta se abriu lentamente.
Lá dentro, uma mulher os esperava.
Não morta. Nem viva.
- Você voltou, filha. - disse a voz da mulher, baixa como o sussurro da água entre pedras. - Mas não está sozinha.
Selene caiu de joelhos.
- Mãe?
A mulher sorriu. Era feita de sombras e lembranças, mas os olhos - os olhos eram idênticos aos de Selene.
- Você seguiu o sangue até o fim. E agora precisa decidir se quer usá-lo.
Elías sacou a faca. Marcus deu um passo atrás.
- Isso é uma armadilha. - ele murmurou. - Espíritos da linhagem nunca aparecem assim... a menos que estejam selando algo.
- Ela não é só um espírito. - Selene ergueu-se. - É a chave. O guardião e o portão.
- O que há aqui? - Elías perguntou, desconfiado.
A mulher estendeu a mão. No centro da sala, uma laje de pedra ergueu-se, revelando um livro preso por correntes de prata viva.
- O Livro dos Uivos. Cada nome, cada maldição, cada dom que a nossa raça já carregou. E a maldição final: o grito do primeiro lobo.
Marcus sorriu como quem encontra um banquete após dias no deserto.
- Com isso... podemos dominar qualquer clã. Criar um novo reino.
- Ou apagar o último traço do que fomos. - A voz da mulher ficou grave. - Esse livro só obedece ao sangue puro. E cada vez que é aberto, uma alma precisa ser sacrificada.
Elías se colocou entre Marcus e a laje.
- Então não será você.
Marcus riu.
- Você realmente acha que pode me impedir agora?
Selene ergueu a mão, e o colar se acendeu em chamas azuladas.
- Não vai precisar. Ele será julgado pelo que já fez.
Antes que Marcus pudesse se mover, as correntes do livro se soltaram e se enrolaram ao redor do seu corpo.
Ele gritou, contorcendo-se.
A sombra da mulher avançou, tocando sua testa.
- Você carregava mais sangue podre do que podia esconder.
Com um último uivo, Marcus foi puxado para dentro da laje. O livro fechou-se com um estalo seco.
Selene caiu de joelhos, exausta.
Elías a segurou nos braços.
- Ele se foi. Mas o livro... ainda está aqui.
A mulher-sombra os encarou.
- O preço foi pago. Mas ele não era o único com fome.
- Quem mais nos segue? - Elías perguntou, a voz rouca.
- Um lobo com olhos de homem. E uma alma vazia. O Filho do Fim. Ele sabe que o livro está com vocês agora.
Selene ergueu o rosto.
- Então que venha. Estamos prontos.
A mulher tocou sua filha na testa.
- Não ainda. Mas logo. - E então desapareceu, como névoa ao sol da manhã.
O templo estremeceu.
Era hora de partir.
Licht ainda escondia muitas ruínas, mas o coração da cidade agora pulsava com um novo segredo: Selene era a herdeira da Filha da Noite, e o Livro dos Uivos estava novamente à solta no mundo.