O Uivo da Lua Escondida
img img O Uivo da Lua Escondida img Capítulo 4 Entre Dentes e Mentiras
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Capítulo 10 Os Ossos da Alcateia img
Capítulo 11 A Carne e a Maldição img
Capítulo 12 Lobos sem Nome img
Capítulo 13 A Canção dos Mortos-Vivos img
Capítulo 14 Sangue que Uiva img
Capítulo 15 A Lua sobre os Condenados img
Capítulo 16 A Última Pedra do Norte img
Capítulo 17 Trono do Exílio img
Capítulo 18 As Cinzas do Trono img
Capítulo 19 O Nome que Queima img
Capítulo 20 O Grito do Nome Perdido img
Capítulo 21 A Loba que Rasgou o Véu img
Capítulo 22 O Sussurro dos Corvos img
Capítulo 23 O Nome Esquecido img
Capítulo 24 A Alcatéia Partida img
Capítulo 25 O Uivo da Terra img
Capítulo 26 As Garras do Exílio img
Capítulo 27 Os Dentes da Lua img
Capítulo 28 A Voz das Cinzas img
Capítulo 29 O Filho Esquecido img
Capítulo 30 O Grito da Loba Morta img
Capítulo 31 A Lua e o Espelho img
Capítulo 32 O Filho que Restou img
Capítulo 33 O Lobo no Gelo img
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Capítulo 4 Entre Dentes e Mentiras

O cheiro de terra molhada e fumaça antiga guiava Selene por entre as memórias da floresta. Não aquela que cercava a cidade agora, mas outra, mais densa, mais fria - onde tudo havia começado. Onde a cicatriz foi feita. Onde os ossos ainda guardavam segredos.

Elías seguiu em silêncio pela estrada estreita com o jipe ranger debaixo dos pneus. O som da mata engolia o mundo à volta: folhas sussurrando, pássaros fugindo de algo invisível, galhos estalando sob o peso do que não se via. O passado sussurrava em cada tronco.

- É aqui. - Selene disse, apontando para uma trilha coberta de ervas selvagens.

Elías desacelerou. Não perguntou como ela sabia. Lobos não esquecem o cheiro da dor.

Desceram do carro sem falar. Selene caminhava como se os pés reconhecessem a terra, mesmo com as cicatrizes. Elías observava os arredores com olhos de guerreiro: cada pedra, cada sinal na árvore, cada possível emboscada. Ele sabia que Marcus estava perto. O tipo de perto que se sente nos ossos antes de ver com os olhos.

A clareira apareceu como uma ferida aberta no coração da mata. Árvores afastadas à força, solo negro como sangue coagulado, e no centro... um círculo de pedras e ossos. Antigos. Gasto pelo tempo, mas ainda transbordando poder.

Selene ajoelhou-se diante do altar.

- Aqui... foi onde tudo começou. O ritual. O juramento. A condenação.

Elías circulou o lugar lentamente, tocando os símbolos talhados nas pedras. Rúnicos. Proibidos. Símbolos da velha fé, de um tempo anterior ao Conselho. Ele sentia o lobo dentro dele se remexer, inquieto, como se essas pedras o provocassem.

- Esses ossos... não são animais. - disse ele, agachando-se para tocar um crânio pequeno demais para ser de fera.

Selene ergueu os olhos, marejados, mas firmes.

- Foram crianças. Sete. Uma para cada lua nova. Eu era a oitava. A sobrevivente.

O silêncio caiu como uma praga entre os dois.

Elías apertou os punhos.

- Isso não é só um exílio. É genocídio. É herege até para os nossos.

Selene assentiu.

- Por isso me caçam. Porque o que sobreviveu aqui... é mais do que sangue de lobo. É um legado que eles querem enterrar.

- E por que você veio até aqui, então? - ele perguntou, encarando-a.

- Porque Marcus vai nos encontrar. E quando encontrar... vai seguir o rastro até esse lugar. E aqui, eu não vou fugir. Aqui, eu luto.

Antes que ele respondesse, um som cortou o ar. O uivo.

Longo. Grave. Familiar.

Marcus estava próximo. Mas não sozinho.

Selene se ergueu, os olhos dourados brilhando como fogo contido.

- Ele trouxe mais da matilha. Estão nos cercando.

Elías puxou a faca que sempre carregava na cintura, e Selene, mesmo sem armas, ergueu os punhos como quem já sangrou mil vezes e sempre voltou. O instinto gritou dentro de ambos.

- Temos que sair daqui. - disse Elías. - Se nos pegam aqui, ninguém vai encontrar nem nossos ossos.

Mas Selene não se moveu.

- Não ainda. Há algo que preciso pegar.

Ela correu até uma das pedras maiores, agachou-se e começou a cavar com as mãos. Elías olhou nervoso para a mata ao redor. O som de passos era cada vez mais claro. A tensão do confronto subia como uma onda inevitável.

Selene puxou algo da terra.

Um colar.

Simples, de couro e osso, com um pingente em forma de lua partida ao meio.

- Esse colar pertencia à minha mãe. Ela era a alfa antes da queda. E isso... - ela o apertou contra o peito - ... é a única coisa que restou dela.

Elías se aproximou, agarrou a mão dela.

- Agora sim. Vamos.

Eles correram de volta pela trilha, os galhos arranhando os braços, os gritos dos inimigos já ecoando. Quando chegaram ao carro, os faróis estavam acesos.

E Marcus os esperava, encostado no capô.

Vestia jeans escuros, jaqueta de couro, e o mesmo sorriso predador que usava para despistar humanos e seduzir vítimas.

- Finalmente. Estava começando a achar que não me reconheciam sem sangue nos dentes.

Elías avançou primeiro, faca em punho.

Mas Marcus nem se moveu. Apenas ergueu uma mão.

- Calma, irmão. Não vim matar. Ainda não.

Selene o olhou com fúria.

- Mentiroso.

- Realista. - respondeu Marcus. - Se eu quisesse matar vocês, não traria isso.

Ele abriu a palma.

Uma carta, selada com o brasão do Conselho.

- Estão todos atrás de vocês agora. Não só por ela, Elías. Mas por você também. Você a protegeu. E isso te torna traidor.

O mundo girava.

Elías cerrou os dentes. As garras já se formavam sob a pele. Mas não atacou.

Selene pegou a carta.

- E o que você ganha trazendo isso?

Marcus sorriu.

- Uma chance de mudar os dados do jogo. Ou vocês fogem comigo... ou morrem sozinhos.

Os três se encararam, em silêncio.

Selene com o colar da mãe no pescoço.

Elías com a faca ainda firme.

Marcus com um sorriso que escondia muito mais do que palavras.

A noite começava a cair outra vez. E com ela, o verdadeiro jogo de caça.

            
            

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