- É aqui. - Selene disse, apontando para uma trilha coberta de ervas selvagens.
Elías desacelerou. Não perguntou como ela sabia. Lobos não esquecem o cheiro da dor.
Desceram do carro sem falar. Selene caminhava como se os pés reconhecessem a terra, mesmo com as cicatrizes. Elías observava os arredores com olhos de guerreiro: cada pedra, cada sinal na árvore, cada possível emboscada. Ele sabia que Marcus estava perto. O tipo de perto que se sente nos ossos antes de ver com os olhos.
A clareira apareceu como uma ferida aberta no coração da mata. Árvores afastadas à força, solo negro como sangue coagulado, e no centro... um círculo de pedras e ossos. Antigos. Gasto pelo tempo, mas ainda transbordando poder.
Selene ajoelhou-se diante do altar.
- Aqui... foi onde tudo começou. O ritual. O juramento. A condenação.
Elías circulou o lugar lentamente, tocando os símbolos talhados nas pedras. Rúnicos. Proibidos. Símbolos da velha fé, de um tempo anterior ao Conselho. Ele sentia o lobo dentro dele se remexer, inquieto, como se essas pedras o provocassem.
- Esses ossos... não são animais. - disse ele, agachando-se para tocar um crânio pequeno demais para ser de fera.
Selene ergueu os olhos, marejados, mas firmes.
- Foram crianças. Sete. Uma para cada lua nova. Eu era a oitava. A sobrevivente.
O silêncio caiu como uma praga entre os dois.
Elías apertou os punhos.
- Isso não é só um exílio. É genocídio. É herege até para os nossos.
Selene assentiu.
- Por isso me caçam. Porque o que sobreviveu aqui... é mais do que sangue de lobo. É um legado que eles querem enterrar.
- E por que você veio até aqui, então? - ele perguntou, encarando-a.
- Porque Marcus vai nos encontrar. E quando encontrar... vai seguir o rastro até esse lugar. E aqui, eu não vou fugir. Aqui, eu luto.
Antes que ele respondesse, um som cortou o ar. O uivo.
Longo. Grave. Familiar.
Marcus estava próximo. Mas não sozinho.
Selene se ergueu, os olhos dourados brilhando como fogo contido.
- Ele trouxe mais da matilha. Estão nos cercando.
Elías puxou a faca que sempre carregava na cintura, e Selene, mesmo sem armas, ergueu os punhos como quem já sangrou mil vezes e sempre voltou. O instinto gritou dentro de ambos.
- Temos que sair daqui. - disse Elías. - Se nos pegam aqui, ninguém vai encontrar nem nossos ossos.
Mas Selene não se moveu.
- Não ainda. Há algo que preciso pegar.
Ela correu até uma das pedras maiores, agachou-se e começou a cavar com as mãos. Elías olhou nervoso para a mata ao redor. O som de passos era cada vez mais claro. A tensão do confronto subia como uma onda inevitável.
Selene puxou algo da terra.
Um colar.
Simples, de couro e osso, com um pingente em forma de lua partida ao meio.
- Esse colar pertencia à minha mãe. Ela era a alfa antes da queda. E isso... - ela o apertou contra o peito - ... é a única coisa que restou dela.
Elías se aproximou, agarrou a mão dela.
- Agora sim. Vamos.
Eles correram de volta pela trilha, os galhos arranhando os braços, os gritos dos inimigos já ecoando. Quando chegaram ao carro, os faróis estavam acesos.
E Marcus os esperava, encostado no capô.
Vestia jeans escuros, jaqueta de couro, e o mesmo sorriso predador que usava para despistar humanos e seduzir vítimas.
- Finalmente. Estava começando a achar que não me reconheciam sem sangue nos dentes.
Elías avançou primeiro, faca em punho.
Mas Marcus nem se moveu. Apenas ergueu uma mão.
- Calma, irmão. Não vim matar. Ainda não.
Selene o olhou com fúria.
- Mentiroso.
- Realista. - respondeu Marcus. - Se eu quisesse matar vocês, não traria isso.
Ele abriu a palma.
Uma carta, selada com o brasão do Conselho.
- Estão todos atrás de vocês agora. Não só por ela, Elías. Mas por você também. Você a protegeu. E isso te torna traidor.
O mundo girava.
Elías cerrou os dentes. As garras já se formavam sob a pele. Mas não atacou.
Selene pegou a carta.
- E o que você ganha trazendo isso?
Marcus sorriu.
- Uma chance de mudar os dados do jogo. Ou vocês fogem comigo... ou morrem sozinhos.
Os três se encararam, em silêncio.
Selene com o colar da mãe no pescoço.
Elías com a faca ainda firme.
Marcus com um sorriso que escondia muito mais do que palavras.
A noite começava a cair outra vez. E com ela, o verdadeiro jogo de caça.