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O céu da Ceilândia amanheceu cinza. Aquele tom de chumbo que parece anunciar tragédia.
Enzo acordou antes do sol nascer, com a cabeça pesada, mas o coração leve. Ao seu lado, Ketlyn dormia profundamente, os cabelos bagunçados espalhados pelo travesseiro, os lábios entreabertos.
Ele a observava como se o mundo pudesse ruir - e tudo o que ele quisesse salvar fosse ela.
Pegou o celular e digitou a última mensagem no grupo secreto com Bira e os homens de confiança:
"Hoje à noite, desço do trono. Bira assume. Discrição total. A favela não pode sentir o cheiro."
Guardou o aparelho e voltou a encarar Ketlyn. Beijou-lhe a testa com um carinho que poucos sabiam que ele carregava.
- Vou sair disso por você... e por mim - sussurrou.
Mas enquanto ele preparava a paz, outros arquitetavam a guerra.
🪁
- Descubra onde tá o Cebola. Se tiver vivo... traga. Eu tenho um plano - ordenou Tigre.
O soldado assentiu e partiu.
Horas depois, encontraram Cebola ferido, rastejando por uma estrada de terra batida.
- Tá vivo. Mas tá fodido - disse um dos capangas.
- Leva pra casa da amante dele, a Carol. Escondido. Em silêncio. Tigre quer ele inteiro.
Na madrugada, Cebola deu entrada no barraco, exausto, sangrando, mas vivo. Tigre queria que ele se recuperasse - precisava dele lúcido para algo maior: tomar o trono de Enzo à força.
🪁
Dias depois...
No depósito de carros roubados, escondido na parte baixa da quebrada, Cebola reunia-se com seus comparsas mais fiéis.
- Ele vai largar? Que piada - cuspiu no chão, sarcástico. - Ninguém larga sendo rei. Só se for otário mesmo.
- Vai passar o trono pro tal do Bira?
- Se o Enzo sair, alguém assume. Mas não vai ser esse Bira.
Foi então que um dos homens entrou, ofegante.
- Chegou a informação: local e hora certa do encontro entre os dois. Hoje. Curva da Fumaça. Vinte pras nove.
Cebola sorriu de canto.
- Então o trono vai cair junto. Bira não vai nem ver de onde veio. E o Enzo vai entender que dar o trono pra outro que não seja o nosso chefe não é uma opção.
Tigre, o verdadeiro chefe por trás da trama, preferia operar nas sombras. Não se mostrava, mas cada movimento da guerra era orquestrado por ele.
🪁
No fim da tarde, Ketlyn recebeu um buquê de rosas vermelhas no escritório. No bilhete escrito à mão, poucas palavras:
"Hoje começa a nossa liberdade. Te espero no nosso lugar, depois das 21h. - Enzo."
Ela sorriu. Não era do tipo romântica, mas aquilo mexeu com algo dentro dela. Não pelas flores, mas por sentir que ele estava mesmo tentando mudar.
🪁
Às 20h45, Enzo já esperava na Curva da Fumaça - local conhecido por rachas ilegais. Estava de camisa preta simples, jeans surrado. Sem ouro, sem arma. Apenas ele... e o desejo sincero de recomeçar.
Mas Bira não chegou primeiro.
Foram três motos.
Três tiros.
Uma emboscada.
Enzo se jogou atrás de um muro improvisado com pneus. O som dos disparos cortou o silêncio da noite. Um homem gritou. Outro caiu da moto. Enzo soube: a paz tinha sido violada.
Minutos depois, Bira chegou, sangrando no ombro.
- Armaram pra mim... o Cebola tá vivo! Mandou três moleques pra me apagar. Só não conseguiram porque o pneu da moto furou e eu consegui me jogar no chão.
- Esse desgraçado... - rosnou Enzo. - Acertar você é me acertar também. E ele sabe disso.
- O que a gente vai fazer?
Enzo fechou os punhos com força.
- Ainda não posso passar o comando. Enquanto esse filho da puta respirar, não tem recomeço. E quem estiver por trás dele vai cair junto.
- A doutora não vai gostar disso, você sabe...
- Ela tem que entender. É pra segurança dela. É pelo nosso futuro.
🪁
Às 21h10, ele chegou ao telhado onde Ketlyn o esperava. Vestido colado vinho, olhar doce e esperançoso. Mas o sangue seco na camisa dele e o corte na sobrancelha mataram o clima num segundo.
- O que aconteceu? - perguntou, alarmada.
- Tentaram me matar.
- Quem?
- Cebola. Sobreviveu à tortura. E tá vindo com sede de sangue. Mas não vai durar muito.
Ketlyn abaixou os olhos, engolindo o choro.
- Hoje era pra ser o começo do nosso "pra sempre".
- Me dá mais um tempo - pediu Enzo, com tristeza no olhar. - Dois dias. Eu resolvo isso. Depois disso, Bira assume. A guerra termina.
- Você confia mesmo nisso?
- Eu confio em nós dois. E isso... isso já me dá mais força que qualquer fuzil.
Ela o abraçou. Tremia. Chorava.
Pelo medo. Pela impotência.
Pelo amor que crescia no meio da violência que ela não queria mais viver.
- Vai pra casa... limpa esse sangue. Amanhã a gente conversa.
Ele beijou sua testa com ternura e partiu. Com o olhar firme, como se já tivesse escrito o amanhã com as próprias mãos.
Ketlyn tentou dormir, mas o enjoo não deixava.
Sentou na cama e colocou a mão na barriga.
- Deve ser por não ter comido nada direito hoje... - sussurrou, mas no fundo, sabia que não era só isso.
🪁
No galpão de Tigre...
- Chefe... eles falharam. Os três tão mortos - disse um dos comparsas.
Tigre bateu a mão na parede, enfurecido.
- MERDA! Vocês não conseguem fazer NADA direito, seus incompetentes!
Cebola tentou se justificar:
- Achei que dava pra resolver com três. Tava tudo certo, chefe...
- Você achou ERRADO! Agora vai ouvir meu plano, e vai executar sem falhas, ou EU te mato.
- Qual o plano?
- O ponto fraco do Enzo... é a doutora. Amanhã, a gente vai sequestrar ela. Sem erro. Sem barulho. E sem deixar rastro.
- Qual o horário?
- Amanhã eu falo. Fiquem de prontidão. E ouçam bem: sem erro.
Todos assentiram em uníssono.
Mas nas sombras, Leleco ouvia tudo - infiltrado a mando de Enzo.
Só que havia um problema: Tigre era esperto.
Sabia que havia um X9 entre eles... só não sabia quem.
Por isso, não revelou nem o horário, nem a rota. Tudo seria decidido depois, em outro galpão, apenas com seus dois homens de confiança: Cebola e seu primo Lobo Guará.
E, enquanto a guerra tomava forma...
O amor de Ketlyn e Enzo era o único que ainda sangrava no concreto com as incertezas.
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