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Hoje é quinta-feira. Saí mais cedo do trabalho com o coração leve e ansioso - pedi folga para amanhã e meu supervisor, por milagre, aprovou. Eu só pensava em uma coisa: a surpresa que preparei para o Ruan. Um ano de namoro. Doze meses ao lado de alguém que, até então, eu acreditava ser o homem da minha vida.
Trabalho como secretária há dois anos e, nos corredores da empresa, já corre a notícia de que o filho da dona Rose vai assumir a matriz na próxima semana. Dizem que ele é exigente, perfeccionista, intolerante com erros... e, principalmente, que nenhuma secretária dura muito tempo ao lado dele. Isso me deixa apreensiva, claro. Mas deixei essa preocupação pra depois. Hoje era sobre mim e o Ruan. Sobre o amor. Sobre o que eu acreditava ser uma história verdadeira.
A gente se conheceu no fim da minha faculdade. Ele era divertido, carinhoso, falava sobre os sonhos dele com os olhos brilhando - e eu acreditei em cada um. Mesmo com minha mãe não gostando muito dele, nunca me deixou de apoiar. Talvez ela tenha enxergado o que eu não quis ver.
Ruan veio passar três meses na cidade, e desde então está morando comigo. Dei apoio, ajudei com dinheiro, emprestei tudo o que podia. Ele vivia reclamando que a empresa não custeava as viagens dele, então eu tentava compensar. Porque quando a gente ama, a gente acredita. A gente confia.
Peguei um táxi, com um frio na barriga gostoso, pensando em como ele reagiria à surpresa. Recebi uma mensagem do meu supervisor dizendo que segunda-feira tem uma reunião importante com o novo CEO - e eu mesma vou apresentar o plano. Respondi que sim, claro, e guardei o celular. Uma boa notícia. Mais um motivo pra comemorar hoje à noite.
Mas nada me preparou para o que encontrei quando cheguei em casa.
Estava tudo apagado. Estranhei, porque ele sabia que eu voltaria à noite. Entrei devagar, tentando não fazer barulho. Foi aí que ouvi... vozes. Risos abafados. E então os sons - sons que não se confundem. Sons que não deixam dúvida.
Meu coração congelou.
Fui seguindo os ruídos até chegar perto do meu quarto.
E então, ouvi. A voz da minha melhor amiga. E a dele. Ruan. Os dois. Na minha cama.
O chão pareceu sair debaixo dos meus pés. Fiquei ali, parada, ouvindo tudo. Cada palavra, cada riso, cada gemido... e principalmente, cada traição dita com orgulho. Eles falavam de mim como se eu fosse uma piada. Um detalhe. Um obstáculo conveniente.
"Ela nunca vai saber."
"Eu uso ela como sempre fiz."
"Santa."
"E quando o emprego novo der certo, a gente fica junto."
Eu não sei quanto tempo fiquei ali. Mas quando entrei no quarto, a expressão de choque no rosto deles foi tudo o que eu precisava pra ter certeza de que não era um pesadelo.
Minha alma gritava. Minha confiança se despedaçava.
Gritei. Expulsei ela da minha casa, sem direito a palavra. Ele tentou vir atrás, balbuciando desculpas, tentando me segurar. Eu o empurrei, bati nele com a força de toda a raiva acumulada, toda a dor que me consumia.
Não chorei. Não ali. Não diante deles.
Tranquei a porta. E finalmente... desabei.
A surpresa estava montada na sala. A mesa posta. As velas. O presente. E tudo o que restou foi o silêncio de uma mulher traída, usada, destruída.
Fui para o banheiro. Me despi como se pudesse tirar deles de mim. Tomei um banho longo. Quente. Doloroso. E então, me olhei no espelho.
Não era mais a mesma Melinda.
Saí naquela noite. Fui beber. Sozinha. Com os olhos secos e o coração em pedaços.
E foi ali, no fundo do poço, que conheci o homem que mudaria minha vida para sempre.
Eu não queria acreditar no que estava ouvindo. Meu coração batia acelerado, minha respiração ficou curta, e minhas mãos tremiam enquanto eu me aproximava do quarto. A porta estava entreaberta... e o que vi por aquela fresta fez meu estômago revirar.
Era ela. Minha melhor amiga. De quatro na minha cama. E ele - Ruan - o homem que eu pensava amar, o mesmo que jurei proteger e apoiar. Ele estava com ela. Nela. Como se eu nunca tivesse existido.
A dor foi imediata. Um corte profundo e silencioso na alma.
Abri a porta com força, como se pudesse arrancar aquela cena do mundo. O susto no rosto dos dois foi instantâneo. Mas a vergonha... essa parecia não existir.
- Amor! Não é o que parece! Eu posso explicar tudo, por favor, me escuta! Eu te amo! - Ruan se afastou dela apressado, tentando cobrir o próprio corpo. - Foi ela quem me seduziu, juro!
- Baixo. Ridículo. - eu disse, com a voz trêmula, mas firme. - Eu tô vendo com meus próprios olhos e ainda tem coragem de mentir?!
Sem pensar, peguei o abajur do criado-mudo e arremessei nele. Ele desviou a tempo.
- Melinda, por favor! Não faz nada no impulso! A gente pode conversar! - ele insistiu, se vestindo às pressas.
- Vocês dois... fora da minha casa. Agora. - minha voz saiu fria, mas eu tremia por dentro. - Se ficarem aqui mais um segundo, juro que sou capaz de fazer uma besteira.
Ela terminou de se vestir com um sorriso debochado nos lábios, como se tudo aquilo fosse normal.
- Ai, Melinda... não foi nada demais. - ela disse.
- Tira essa cadela daqui, Ruan. Ou eu mesma dou um jeito. - cuspi as palavras, sentindo a fúria queimando meu peito.
Ruan me olhou, ajeitando a camisa.
- A gente ainda vai conversar, Melinda. Você vai voltar pra mim, eu sei disso. - disse com raiva contida antes de sair.
Quando a porta bateu, meu corpo desabou. As pernas falharam, me apoiei na parede e deixei as lágrimas caírem.
- Por quê? - sussurrei para mim mesma. - Por que ele fez isso comigo? Eu que estive do lado dele, eu que ajudei, que banquei, que acreditei... como eu pude ser tão cega?
Me levantei do chão. Não queria chorar mais. Tomei um banho demorado, como se a água pudesse lavar a dor, como se pudesse apagar o que vi.
Me vesti, passei um batom vermelho e coloquei uma roupa que me fazia sentir forte. Eu precisava sair. Respirar. Esquecer - nem que fosse por algumas horas.
Fui até um bar perto de casa, o mais movimentado da região. Pedi uma bebida. Depois outra. E mais outra. Eu queria apagar o que sentia. E, por alguns instantes, até consegui.
Já meio alta, notei um homem sentado algumas mesas à frente. Alto, bonito, elegante. E o mais curioso: ele também não parava de me olhar.
Em poucos minutos, ele se aproximou da minha mesa com um sorriso gentil.
- O que uma mulher linda faz aqui, com esse olhar tão triste? - ele perguntou.
Dei uma risada amarga.
- Comemorando. Acabei de ser traída pelo meu noivo. - respondi, encarando meu copo.
- Então o cara é um completo idiota. - ele disse, sério. - Quem é que trai uma mulher como você?
- Pois é... a vida tem dessas. - suspirei. - Quer participar da minha tristeza?
- Claro. Nunca recuso um convite de uma bela mulher. - ele respondeu, chamando o garçom.
- Boa noite. O que vão querer? - o garçom perguntou.
- Duas garrafas de uísque e um balde de gelo. - ele disse. - Vai querer outra coisa? - perguntou, me olhando.
- Não. Eu bebo o que você beber. - respondi.
Fizemos um brinde. Nossos copos se tocaram como se fosse um acordo silencioso de dois corações partidos.
- E você? O que te trouxe aqui? - perguntei.
Ele olhou para o fundo do copo, pensativo.
- Hoje faz um ano que minha noiva me abandonou. - respondeu com calma.
- Sinto muito. - falei, sincera.
- Obrigado. Também sinto muito por você. - ele respondeu.
- Vamos brindar a isso? A nós dois? Que um dia a gente encontre alguém verdadeiro. Alguém que saiba amar de verdade. - sugeri.
- Ou, quem sabe, que a gente se torne bons amigos. Dois sobreviventes tentando seguir em frente. - ele disse.
- Brindo a isso. - sorri, pela primeira vez naquela noite.
E brindamos. Pela dor. Pela coragem. Pela chance de recomeçar.