Capítulo 3 A cicatriz na testa de Isabelita

A manhã se abriu timidamente sobre a cidade, com o céu ainda coberto por uma névoa tênue que tornava tudo mais lento, mais introspectivo. Amélia caminhava com passo determinado pela rua de paralelepípedos que levava à residência universitária. Na mão, segurava um cachecol que ela mesma tricotara - para Isabelita - e, no coração, uma inquietação que a acompanhava por noites inteiras. Não suportava a espera, o silêncio, a intuição corrosiva de que algo não estava certo. Mães sentem. Mães sabem.

A campainha da porta da frente tocou secamente, sem eco. Por alguns segundos, não houve resposta. Mas Amélia não estava disposta a ir embora.

Quando a porta finalmente se abriu, Isabelita apareceu, com o rosto meio sonolento, o cabelo desgrenhado e a alma na defensiva. Tentou sorrir, mas seus olhos a traíram.

"Amélia... O que você está fazendo aqui tão cedo?"

Amélia a observou atentamente. O rosto da irmã tinha uma beleza serena, marcada pela juventude e pelo cansaço. Mas ali, quase escondida por uma mecha de cabelo, estava a cicatriz. Pequena. Delicada. Mas impossível de ignorar para uma mulher que havia dado a própria vida.

"Eu precisava te ver", disse Amélia, entrando sem esperar permissão. "E não vou fechar os olhos. Sei que você está carregando algo sozinha... e não vou mais permitir isso."

Isabelita fechou a porta silenciosamente, com a respiração suspensa. De repente, toda a fachada tremeu.

Flashback: A Noite do Ataque

Isabelita caminhava sozinha pelo corredor mal iluminado da residência. Eram quase onze da noite e ela voltava da biblioteca, com a cabeça cheia de anotações e os ombros tensos do dia. Ela nunca gostara daquele corredor. Estreito demais. Silencioso demais.

Ela ouviu passos. Primeiro, hesitou. Depois, apressou o passo.

"Isabelita", sussurrou uma voz áspera atrás dela.

Quando se virou, era tarde demais. Uma sombra a empurrou contra a parede. Ela tentou gritar, mas o medo a agarrou como um torno invisível. Queria correr, mas seu corpo congelou. Então veio o golpe. Suave. Preciso. O mundo girou e sua testa bateu no chão.

Quando acordou, estava sozinha. Tudo acontecera em segundos. Mas, para ela, a ferida durava semanas.

Não queria reclamar. Ou contar a ninguém. Sentia que abrir a boca invocaria mais escuridão. Cobriu a cicatriz com os cabelos, com desculpas, com silêncios. E a culpa... a culpa a desgastava lentamente.

O reencontro

Amélia olhou ao redor da sala. Tudo estava limpo, meticulosamente organizado, como se a desordem interna de Isabelita precisasse de compensação externa.

Sentaram-se à pequena mesa perto da janela. Amélia colocou as mãos sobre a superfície, abertas. Oferecendo, não exigindo.

"Você sabe que eu não vim para te julgar, certo?", disse ela suavemente.

Isablita assentiu sem olhar para ela. Brincou com a borda de uma xícara vazia, com as unhas roídas e os lábios secos.

"Achei que conseguiria lidar com isso. Que se eu ignorasse, passaria", sussurrou ela.

A frase soou como uma confissão quebrada.

"O que aconteceu, meu amor?"

Silêncio. Respirações trêmulas. Uma única lágrima escorreu pelo rosto de Isabelita. E então, em voz baixa, mas firme, ela começou a falar. Do ataque. Do medo paralisante. Da sombra. Do golpe. Da vergonha. Da raiva. Da cicatriz.

Amélia não a interrompeu. Ela ouviu com os olhos brilhantes, contendo a própria dor para não tirar a da irmã. Sentiu o sangue ferver. A raiva - pura, protetora - começou a brotar de dentro dela. Não contra Isabelita. Mas contra o mundo que ainda permitia que suas filhas fossem vulneráveis ​​a tanta coisa. Quando Isabelita terminou de falar, parecia mais leve. Cansada, mas menos sozinha.

"Você não me contou porque achou que eu ficaria preocupada", disse Amélia com um meio sorriso triste. "Mas sabe de uma coisa? Prefiro me preocupar com você do que ficar em paz sem você."

A Verdade por Trás da Raiva

"Você não está sozinha, Isabelita", continuou Amelia, segurando suas mãos. "Você nunca esteve. Dói-me pensar que você carregou isso sem apoio. Mas dói-me mais saber que você sentiu que precisava fazer isso."

Isablita apertou os lábios. A culpa ainda estava lá, à espreita.

"Eu sentia que estava falhando com eles. Que eu não podia ser fraca. Que se eu contasse a alguém... tudo desmoronaria. Como se admitir isso me tornasse menos forte."

"Menos forte?" Amelia repetiu com ternura. "Meu amor... não há força maior do que aquela necessária para seguir em frente depois de algo assim. Essa cicatriz não é uma derrota. É a sua medalha." É o sinal de que você sobreviveu.

Isablita desatou a chorar. Mas desta vez, não foi um choro entrecortado. Foi uma libertação. Um "finalmente". Um "Eu não preciso mais carregar isso sozinha".

Amélia a abraçou. Ela apertou. Ela segurou. Ela segurou. Ambas choraram um pouco mais. E então elas simplesmente respiraram juntas.

Uma promessa entre irmãs

Amélia não ficou muito mais tempo. Ela sabia que às vezes a cura começa quando você deixa o espaço. Mas antes de sair, parou na porta. Isabelita a observava, ainda sentada na cama, como se fosse a garotinha que um dia teve medo do escuro.

"Eu prometo que ficaremos bem", disse Amélia suavemente. "Que esta história não a marcará pelo que fizeram com você... mas por como você saiu dela."

Isablita se levantou. Caminhou até a irmã. Abraçou-a com força.

"Obrigada por ter vindo", murmurou, com a testa apoiada no ombro dela. "Obrigada por não me deixar sozinha, mesmo eu não tendo pedido."

"Você não precisa me pedir para te amar. Isso já foi feito."

Quando Amélia saiu, o sol começava a dissipar a neblina. Ela caminhou mais devagar, respirando fundo, agora carregando não apenas sua preocupação, mas a certeza de que o amor - aquele amor feroz - era mais forte que o medo.

Enquanto isso, em casa, Gabriel se revirou na cama, inquieto, e Tomás murmurava palavras sem sentido enquanto dormia. Eles ainda eram crianças, mas Amélia sabia que a tempestade que se aproximava também os atingiria. Então, naquela manhã, ela fez uma promessa a si mesma:

"Trarei verdade a cada ferida. Luz a cada medo. Um abraço a cada silêncio."

E embora a cicatriz na testa de Isabelita nunca desaparecesse, pelo menos agora ela estaria mais leve.

Mais dela.

Mais livre.

            
            

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