Capítulo 4 ERA ELE . 1984

Sabe quando você cansa? encontra-se perdida, no meio de uma tempestade que você mesmo causou....

Hoje faz 2 anos que estou mudando essa tempestade.

1984-

Já é a terceira noite que o mesmo pesadelo volta.

O corpo da Senhora Flores, a palavra "Bak" no chão...

E agora, sempre no fundo da cena, o homem do carrinho.

Ele não faz nada. Só olha. Mas o olhar dele me prende, como se ele soubesse que eu tô ali. Como se me visse mesmo dentro do sonho.

E o mais assustador?

Ele tá sempre onde não deveria estar.

Já tô ficando paranoica. E o pior: não contei nada pra ninguém.

Hoje meu dia foi igual aos outros. Acordei às 7, café com pão e leite. Fui ao estágio e tentei agir normal, mas cada canto daquele prédio me dava uma sensação ruim. Como se algo me acompanhasse. Clara até tentou puxar papo, falar sobre como estava nervosa com a investigação, mas minha cabeça não parava de girar.

Voltei pra casa com um peso no peito.

Minha janta? Sempre a mesma:

Macarrão com molho pronto, suco de morango gelado e trinta minutos de série.

Já virou parte do ritual.

Mas confesso que o sabor do macarrão tá começando a me dar enjoo. O suco tá ficando mais ácido.

Ou sou eu que tô mudando?

Fui pra varanda, como sempre. A noite estava até bonita, e por um momento eu quis acreditar que tudo era invenção da minha mente. Que talvez eu estivesse só cansada.

Mas aí ele apareceu de novo.

O homem do carrinho.

Sempre no mesmo horário. Sempre com o mesmo passo.

Mas dessa vez... ele parou.

Parou bem em frente ao meu prédio.

Olhou pra cima. E levantou o braço. Apontando direto pra mim.

Corri pra dentro. Fechei a porta de vidro com tanta força que ela tremeu.

Meu coração disparado, minhas mãos suando.

Olhei no espelho: parecia doente. Pálida, com olheiras profundas.

Tentei dormir mais cedo, mas o sonho voltou. Só que agora foi diferente.

Acordei num quarto escuro. Eu estava deitada na cama do quarto 78.

Mas dessa vez, a senhora Flores estava em pé, na minha frente.

Viva. Ou quase viva.

Me olhava como se quisesse dizer algo, mas os lábios não se mexiam.

Atrás dela...

O homem do carrinho.

Com as mãos sujas, sangue escorrendo do queixo, e olhos que pareciam de vidro.

De repente, ele falou.

Não com voz. Com pensamento:

> "Você já sabe demais, Marina."

Acordei gritando.

Olhei o relógio: 3h17 da manhã.

Fui pra cozinha, tomei o suco direto da garrafa. Sentei no chão.

Queria chorar, mas não consegui.

No dia seguinte, fui sozinha até o motel de novo. Mentindo que ia revisar os arquivos. Mas na verdade... eu queria ver o quarto mais uma vez.

Subi até o 6º andar, empurrei a porta devagar.

O quarto estava escuro. Nenhuma luz acendia.

Liguei a lanterna do celular e vi algo que não tinha notado antes:

alguém tinha escrito "Ele vê" no espelho do banheiro.

Toquei a escrita com o dedo. Era tinta seca. Antiga.

Mas por que ninguém tinha visto isso antes?

Voltei pro quarto, olhei o chão. Um pedaço de papel entre o tapete e a cama. Peguei.

Dobradiço. Amarelado. Nele estava escrito:

> "Bak é só um aviso. Quem entende, não volta."

Guardei no bolso, assustada.

Quando saí do quarto, fui até a recepção.

A Emilly, gerente do motel, estava pálida. Me olhou e disse:

- Ele voltou ontem. Eu vi. O homem do carrinho... ele ficou parado do outro lado da rua por mais de vinte minutos, olhando pra cá.

Me arrepiei toda.

Voltei pra casa muda.

Mais uma vez: macarrão, suco, série.

Mas dessa vez, nem a série me distraiu.

Fui pra varanda com medo, mas fui.

E lá estava ele.

Dessa vez com o carrinho virado pra mim.

Como se tivesse trazido algo.

Como se estivesse esperando.

E pela primeira vez...

Eu quis descer.

Mas não desci.

Ainda não.

E eu não contei pra ninguém..

Eu devo descer??

            
            

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