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Miguel
A mente se dobra antes do corpo. Esse é o princípio. É a batalha invisível travada nas profundezas da consciência, muito antes que um único músculo se contraia ou um passo seja dado. É o momento em que a dúvida, o medo ou a hesitação lançam suas sombras sobre a vontade, paralisando a ação antes mesmo que ela possa nascer.
Essa verdade ressoa não apenas no âmbito do esforço físico, mas em todas as esferas da existência. Seja na busca por um objetivo ambicioso, na superação de um obstáculo intransponível, ou na simples decisão de iniciar algo novo, a mente é o campo de batalha primordial. Se a mente ceder à exaustão, ao desespero ou à crença de que a tarefa é impossível, o corpo, por mais forte ou capaz que seja, inevitavelmente seguirá o mesmo caminho.
É por isso que o treinamento mental é tão crucial quanto o treinamento físico. É a disciplina de fortalecer a resiliência, aprimorar a persistência e cultivar uma crença inabalável na própria capacidade. É aprender a reconhecer os sussurros da desistência e a silenciá-los com a voz da determinação. Somente quando a mente é inquebrantável, o corpo pode alcançar seu verdadeiro potencial, superando limites que antes pareciam intransponíveis. A vitória ou a derrota, em última instância, reside primeiro na mente.
Posso prender alguém, posso amarrar, gritar, cortar, marcar. Já fiz isso com muitos. Mas nada quebra uma pessoa como o silêncio. O silêncio é o espelho onde cada fraqueza aparece.
Luana ainda pensa que está resistindo. Acha que não me obedecer de imediato é rebeldia. Que cruzar os braços ou revirar os olhos é desafio. Ingênua. Não percebeu que toda vez que ela me responde, ela já entrou no jogo.
E agora... é hora de mostrar o que acontece quando ela deixa de ser vista.
Acordei cedo, como sempre.
Caminhei pela casa em silêncio, observando as câmeras. Luana ainda dormia. Encolhida no colchão como uma criança com medo de escuro. Mas ela não é criança. Ela é mulher. E mulheres são mais difíceis de dobrar - porque sentem mais.
E é justamente por isso que vale a pena quebrá-las.
Tomei meu café sozinho.
Não mandei comida para ela.
Não mandei roupa.
Não mandei ninguém.
Ela precisava entender o lugar dela: não no centro do meu mundo, mas à margem dele. Precisava sentir a falta da minha voz, do meu comando, até desejar ser vista - nem que fosse para ser punida.
Ao meio-dia, fui até a varanda. Observei o caderno que ela deixou ali, aberto. Folheei as páginas. Li as palavras escritas com ódio.
"Eu odeio você."
"Odeio sua voz."
"Odeio como me olha."
"E odeio ainda mais o que sinto quando você some."
Perfeito.
Ela começou a se ouvir. A se contradizer. A sentir o vazio da minha ausência como mais cruel do que minha presença.
Voltei para dentro sem dizer uma palavra.
Mandei tirar as câmeras do quarto dela por algumas horas. Não para dar privacidade - mas para deixá-la em dúvida. Será que ele ainda está vendo? Será que fui esquecida? Ou será que ele vai entrar a qualquer momento?
A incerteza quebra. E ela... já está trincando.
No fim da tarde, ela tentou sair.
Foi até a porta, tentou girar a maçaneta. Trancada. Bateu. Chamou. Ninguém atendeu.
Assistir à gravação depois foi quase poético.
Ela gritou meu nome.
- Miguel! - gritou, pela primeira vez.
E então caiu sentada no chão, batendo as costas na porta.
Ela me chamou. Isso, pra mim, já é submissão.
Ela sentiu falta do seu dono.
E eu nem precisei levantar a voz.
***
À noite, fui até o corredor.
Fiquei parado em frente à porta do quarto por exatos três minutos. Escutei o silêncio lá dentro. Um choro contido. Um soluço disfarçado. O som da derrota.
E então... fui embora sem entrar.
Porque o castigo ainda não tinha terminado.
No dia seguinte, pedi que preparassem o café da manhã mais farto da semana. Pão quente, frutas cortadas à mão, suco fresco, ovos, iogurte, mel. Tudo disposto numa bandeja com toalha branca.
Mas não mandei entregar.
Apenas deixei a bandeja no saguão, visível. E ordenei aos funcionários:
- Que ela veja. Mas não toque.
A fome corrói o orgulho.
A sede esmaga a vaidade.
E a ausência de voz... sufoca a resistência.
Luana precisava ser esvaziada.
Quando anoiteceu, recebi um bilhete dela.
Sim, um bilhete.
Escrito à mão, com letra tremida.
"Se você quer que eu quebre, fale logo.
Esse silêncio me mata mais do que qualquer grito.
E, sim, eu te odeio ainda mais por me fazer sentir falta da sua presença.
Isso não é amor.
Isso é prisão."
Guardei o bilhete.
Ela estava quase pronta.
***
Na terceira noite, mandei buscar.
Quando entrou na sala, Luana parecia outra. Olheiras profundas, os olhos vermelhos, a expressão murcha. Mas ainda... digna. Ainda com aquela centelha de resistência que me divertia.
Ela entrou calada.
Ficou em pé, me encarando.
- Pode sentar - eu disse.
Ela sentou.
Eu não falei nada por um tempo. Apenas a observei.
E ela cedeu.
- Por que você sumiu? - perguntou, com a voz falha.
- Porque você precisava me ouvir no silêncio.
Ela me olhou com raiva, mas não rebateu.
- Sentiu minha falta?
Ela hesitou.
- Sentiu. - Completei. - E isso te incomoda.
Ela abaixou os olhos.
- Você está me moldando - murmurou.
- Não. Eu estou revelando o que já existe em você. A necessidade de ser guiada. O alívio na ordem. O desejo de pertencimento.
- Eu não pertenço a ninguém.
Sorri.
- Ainda não.
Ela levantou.
- Vai fazer o quê agora? Me amarrar? Me forçar?
Levantei também, devagar.
Fiquei frente a frente com ela.
- Não. Hoje... eu só vou tocar seu rosto.
Ela franziu a testa.
Acariciei sua bochecha com o dorso dos dedos.
Ela fechou os olhos. O gesto simples a desmontou mais do que qualquer tapa.
- Tá vendo? - sussurrei. - Nem tudo precisa ser dor. Às vezes, o silêncio dói mais. Porque nele, você escuta quem realmente é.
Ela respirou fundo, os olhos ainda fechados.
- E quem eu sou?
- Minha.