O Pescador do Silêncio
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Capítulo 2

JP ficou parado, o cheiro fantasma de peixe podre já arranhando sua garganta.

Ele lembrava da escola.

As outras crianças rindo, tapando o nariz quando ele passava.

"Filho de pescador fede!", gritavam.

Ele era pequeno, mudo, não podia se defender com palavras.

O armazém de salga abandonado era o lugar do seu pior pesadelo.

Uma vez, o prenderam lá dentro por horas.

O cheiro denso, oleoso, penetrante.

Ele vomitou até não ter mais nada no estômago.

Desde então, o cheiro era um gatilho.

Ele era só um pescador. Humilde.

Sua condição, sua origem. Motivos de chacota para muitos.

Mas Isabela... Isabela tinha sido diferente no começo.

Ele lembrava dela chegando na vila, linda como uma deusa do mar, num carro que valia mais que todas as canoas juntas.

Ela o viu na praia, consertando redes.

Não riu. Não sentiu nojo.

Os olhos dela brilharam.

"Você tem as mãos mais honestas que já vi", ela disse.

Defendeu-o do preconceito.

Quando um fazendeiro vizinho zombou de JP numa festa, Isabela o colocou para fora aos gritos.

"Ele é mais homem que você jamais será!", ela berrou.

Ela o chamava de "meu príncipe do mar".

O perfume dela era caro, floral, mas para JP, cheirava a salvação.

Ela o cobria de presentes, de beijos.

JP, pela primeira vez na vida, sentiu-se visto. Amado.

Agora, essa mesma Isabela, que um dia o protegeu, usava seu trauma mais profundo como arma.

O "príncipe do mar" ia ser jogado no poço de peixe podre.

A ironia era amarga.

O amor dela, uma armadilha cruel.

Ele olhou para ela, para Ric, o sorriso vitorioso do cantor.

A dor da traição era quase física.

Seus pais, mortos por uma farsa.

Ele, prestes a ser torturado por um capricho.

JP endireitou os ombros.

Pálido, sim. Tremendo por dentro, sim.

Mas não ia se ajoelhar.

Não ia pedir desculpas.

Ele fez um único sinal para Isabela.

Um "não" firme, claro.

Os olhos dela se estreitaram.

A teimosia dele parecia enfurecê-la ainda mais.

Um pescador mudo desafiando a rainha do sertão.

Ric deu um passo à frente, a mão no peito, fingindo magnanimidade.

"Isa, querida, talvez ele já tenha aprendido a lição. Não precisa disso."

A voz dele era suave, oleosa.

JP viu a falsidade. Ric queria parecer bom, mas seus olhos brilhavam de prazer com a situação.

Ele queria JP fora do caminho, humilhado, quebrado.

Queria Isabela só para ele.

"Ele é só um coitado, afinal", Ric continuou, olhando para JP com desprezo disfarçado.

Isabela se virou para Ric, a expressão suavizando um pouco.

Manipulador.

Mas a suavidade de Isabela durou pouco.

Ric fez menção de ir embora. "Deixe-o, Isa. Eu estou bem."

Isabela agarrou o braço de Ric com força.

"Você não vai a lugar nenhum!", ela rosnou, possessiva.

"Ele vai pagar pelo que te fez."

O controle dela sobre Ric era tão absoluto quanto o que ela queria ter sobre JP.

Ric parou, o sorriso voltando aos lábios.

Ele era um brinquedo dela, assim como JP.

Só que um brinquedo mais esperto, mais perigoso.

"Levem-no!", Isabela ordenou aos seguranças que surgiram do nada.

Eles agarraram JP pelos braços.

Ele não resistiu.

Enquanto o arrastavam para fora, ele viu Isabela puxar Ric para um beijo faminto, ali mesmo, na frente dele.

Os lábios dela ainda tinham o gosto do veneno das palavras que o condenaram.

A imagem queimou em sua mente.

A rainha e seu novo favorito.

O pescador descartado.

O cheiro o atingiu antes mesmo de abrirem a porta do armazém.

Fétido, sufocante.

Peixe podre, sal velho, umidade.

JP sentiu o estômago revirar.

Os seguranças o jogaram lá dentro como um saco de lixo.

A porta bateu, a escuridão o engoliu.

Ele caiu de joelhos, as mãos no chão imundo.

E vomitou.

O gosto amargo da bile misturado ao cheiro insuportável.

As lembranças do bullying voltaram com força total.

As risadas. O medo. A solidão.

Ele estava de volta ao seu inferno particular.

            
            

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