Quando o Ódio Esconde o Amor
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Capítulo 1

Mateus saiu da prisão do Porto. O sol da manhã aqueceu-lhe o rosto pálido. Cinco anos. Cinco longos anos por um crime que não cometeu totalmente, mas que assumiu para proteger Sofia. Agora, a liberdade tinha um sabor amargo. No bolso, o diagnóstico do hospital: cancro terminal, poucos meses de vida.

O seu único desejo era simples, mas caro: ser cremado e ter as cinzas espalhadas ao vento no Farol do Cabo de São Vicente, em Sagres. Um lugar sagrado para ele e Sofia, onde, em tempos mais felizes, tinham jurado amor eterno.

Precisava de dinheiro. A indemnização da prisão era uma miséria.

Entrou numa agência funerária.

"Queria saber o preço de uma cremação e de espalhar as cinzas em Sagres."

O funcionário olhou-o com estranheza.

"É para já?"

"Tenho pressa," disse Mateus, a voz rouca. "Pouco tempo."

O preço fê-lo engolir em seco. Era muito mais do que tinha.

Lembrou-se da promessa. Ele e Sofia, jovens, sentados na falésia, o vento a assobiar.

"Quando morrermos, quero que as nossas cinzas se misturem aqui, Mateus. Que o vento nos leve juntos para o mar."

Ele sorrira. "Ainda temos uma vida inteira pela frente, meu amor."

Agora, essa vida estava a esgotar-se, e ela odiava-o.

O seu passado, a condenação, tornava difícil encontrar trabalho. Ninguém queria um ex-presidiário.

Finalmente, através de um antigo contacto da prisão, conseguiu um emprego como empregado de mesa num restaurante de luxo na Foz. O salário era baixo, mas era um começo. Engoliu o orgulho. Precisava daquele dinheiro.

Na primeira noite, o restaurante estava cheio. Movia-se entre as mesas, servindo pratos caros e vinhos finos, sentindo os olhares curiosos dos clientes.

Então, viu-a.

Sofia.

Mais bela do que nunca, elegante num vestido caro. Ao seu lado, Leonardo, o seu antigo melhor amigo. Estavam de mãos dadas, sorrindo um para o outro. Falavam animadamente sobre os preparativos do casamento.

O mundo de Mateus parou. O prato que segurava tremeu nas suas mãos.

Sofia olhou na sua direção. Os seus olhos encontraram os dele. O sorriso dela morreu. O choque deu lugar ao nojo, depois a um ódio frio.

Leonardo seguiu o olhar dela e também viu Mateus. Um sorriso trocista curvou-lhe os lábios.

Mateus sentiu o sangue gelar.

Um turbilhão de memórias invadiu-o. Sofia e ele, crianças, a brincar nas ruas do Porto. A adolescência, os primeiros beijos roubados. A faculdade, os sonhos partilhados. O anel de noivado que ele lhe dera, uma promessa de futuro. Eram inseparáveis, a alma gémea um do outro.

Depois, a tragédia. A mãe de Sofia, uma mulher elegante mas triste, lutava contra uma depressão profunda. Envolveu-se num escândalo com um funcionário da empresa do marido, um industrial conservador e implacável do Norte. O medo do escândalo, da vergonha pública, levou-a ao desespero.

Ela escolheu morrer de uma forma que parecesse um acidente, mas que, subtilmente, incriminaria Mateus. Talvez por ciúmes do amor que ele e Sofia partilhavam, talvez num último ato de desespero para proteger a reputação da família, culpando um estranho.

Mateus encontrou-a. Percebeu imediatamente a armadilha. Se a verdade viesse ao de cima, a honra de Sofia e da sua família seria destruída. O pai dela, um homem obcecado pelo status, não suportaria.

Então, Mateus tomou a decisão que lhe custou tudo. Assumiu parte da culpa, fabricou uma confissão que o ligava vagamente ao incidente, o suficiente para ser condenado, mas que desviava as atenções do suicídio e do escândalo. Fez-o por Sofia. Para a proteger.

Agora, com a morte à espreita, essa decisão parecia ainda mais definitiva. O segredo morreria com ele.

Tiago, o assistente pessoal de Sofia, aproximou-se da mesa deles. Ao ver Mateus, o seu rosto contorceu-se numa careta de desprezo.

"Ora, ora, vejam quem temos aqui. Mateus. Não sabia que agora servias às mesas."

A voz de Tiago era alta, atraindo a atenção dos outros clientes.

"Pensei que estivesses preso por teres arruinado a vida da Dona Sofia e causado a morte da mãe dela."

Tiago empurrou Mateus com força. Mateus desequilibrou-se, deixando cair a travessa com estrondo. Comida e cacos de loiça espalharam-se pelo chão.

Alguns clientes riram. Outros olhavam com reprovação.

Mateus sentiu o rosto a arder de vergonha. Ajoelhou-se para apanhar os cacos, as mãos a tremer.

Sofia observava-o, o olhar frio como gelo. Não havia um pingo de compaixão no seu rosto. Apenas desprezo.

Leonardo sorria, divertido com a humilhação.

"Levanta-te," ordenou Tiago. "Ainda não acabaste."

Tiago pegou num guardanapo sujo do chão e atirou-o para a frente de Mateus.

"Limpa isto. Com as mãos."

Mateus olhou para o guardanapo, depois para Sofia. Ela não desviou o olhar. A sua frieza era uma faca no peito dele.

Ele ia recusar. A sua dignidade já fora espezinhada vezes sem conta na prisão.

Mas depois lembrou-se de Sagres. Do seu último desejo. Precisava daquele emprego. Precisava daquele dinheiro.

Curvou-se e começou a limpar a sujidade com as mãos, sentindo os olhares de todos cravados nele. A desumanização da prisão tinha-o preparado para isto. Ou talvez não.

Sofia levantou-se abruptamente.

"Chega, Tiago."

A sua voz era cortante.

Ela tirou uma nota de cinquenta euros da carteira e atirou-a para o chão, perto de Mateus.

"Pelo teu... serviço."

Depois, virou-se para Leonardo. "Vamos embora, querido. Perdi o apetite."

Passaram por Mateus como se ele não existisse.

Mateus ficou ali, ajoelhado, o dinheiro sujo a seus pés.

Mais tarde, enquanto limpava a cozinha, ouviu os sons inconfundíveis de Sofia e Leonardo no pequeno escritório do gerente, que ficava ao lado. Gemidos, risos. A tortura era requintada. Cada som era uma nova punhalada no seu coração já despedaçado.

            
            

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