"Ai, amiga, você é demais! Fingir amnésia só pra curtir o último mês de solteira? Gênia!"
A voz de Carolina era estridente.
Lucas parou, o presente escorregando um pouco na sua mão suada.
O quê?
"E o melhor", continuou Isabela, a voz dela clara e divertida, "é que no dia da festa, eu 'milagrosamente' recupero a memória. O Lucas vai ficar tão aliviado, tão apaixonado... vai ser perfeito."
Fernanda riu. "E esses caras que você tá pegando? Tipo o Thiago da academia? Ele sabe do plano?"
"Claro que não, né? O Thiago é só um passatempo. Gostoso, mas um passatempo. O Lucas é o futuro, o dinheiro, a estabilidade. Ele me ama de um jeito que ninguém mais amaria."
Lucas sentiu um frio percorrer seu corpo.
As palavras dela eram como estilhaços de vidro.
Amnésia. Os melhores neurologistas do país. A preocupação dele, as noites em claro.
Tudo uma farsa.
Ele se encostou na parede, a respiração suspensa.
Aquele amor que ele sentia, a gratidão... tudo parecia uma piada cruel agora.
"Mas e se o Lucas descobre?", perguntou Carolina, um pingo de preocupação na voz.
Isabela riu, um som que antes aquecia Lucas, mas que agora o enojava.
"Descobrir o quê? Que eu sou uma mulher que sabe o que quer? Que eu preciso de um pouco de diversão antes de me acorrentar? O Lucas é bobo, apaixonado. Ele nunca vai desconfiar. Ele me deve muito, vocês sabem."
As amigas concordaram, lembrando em voz alta de outras "espertezas" de Isabela no passado, pequenos golpes, manipulações disfarçadas de charme.
Lucas ouvia, cada palavra aprofundando a ferida.
Ele se lembrava de como Isabela parecia tão diferente, tão forte e corajosa, anos atrás.
"Ele é meu", Isabela declarou, a voz cheia de uma confiança possessiva. "Sempre foi e sempre será. Ele pode até ter esse sonho idiota de abrir um bistrô em Lisboa, mas eu nunca deixaria. O lugar dele é aqui, ao meu lado, fazendo o que eu quero."
A menção a Lisboa, ao sonho que ela sempre desencorajou, foi mais um golpe.
Lucas se afastou dali em silêncio, o corpo pesado.
A cidade lá fora parecia cinzenta, mesmo sob o sol de São Paulo.
O presente, uma pequena escultura de um casal de chefs que ele mesmo fizera, caiu de sua mão no corredor acarpetado, partindo-se em dois.
Ele nem olhou para trás.
A imagem dela, anos atrás, invadiu sua mente.
Ele era jovem, endividado por causa de problemas familiares antigos. Agiotas violentos ameaçavam sua família.
Isabela, que mal o conhecia direito na época, mas que já demonstrava um interesse intenso por ele, apareceu como um anjo.
Ela não era de se intimidar.
Ela enfrentou os homens, usou o nome e a influência da família Fontes, pagou a dívida.
Ele se lembrava do medo nos olhos dela, mas também da determinação.
"Ninguém mexe com quem eu me importo", ela dissera.
Aquele ato de coragem o marcou profundamente, foi a semente da paixão que ele cultivou por sete anos.
Ele pensou que ela era leal, protetora.
Agora, essa lembrança se tornava cruel.
Teria sido aquilo também uma forma de controle? Uma maneira de prendê-lo a ela desde o início?
A gratidão que ele sentia, o amor que brotou daquele ato heroico... tudo parecia manchado pela farsa atual.
A traição não era apenas sobre outros homens, era sobre a mentira fundamental que sustentava o relacionamento deles.
Naquele instante, no corredor frio do hotel, Lucas Almeida decidiu que o relacionamento com Isabela Fontes tinha acabado.
E, com uma frieza que o surpreendeu, começou a planejar não uma vingança barulhenta, mas um recomeço silencioso e definitivo.
O primeiro passo: desaparecer. Legalmente.
Miguel Costa. Gostou do nome.