Lucas, ou melhor, o futuro Miguel Costa, não perdeu tempo.
No dia seguinte à descoberta, enquanto Isabela continuava seu teatro de "amnésia seletiva", ele iniciou secretamente os trâmites para mudar legalmente de nome e obter um novo passaporte.
Lisboa. O curso de especialização em gastronomia mediterrânea. O bistrô.
Sonhos que Isabela sempre minimizou, chamando de "caprichos infantis".
Agora, eles eram seu farol.
Enquanto os documentos não ficavam prontos, ele agia normalmente, ou o mais próximo disso que conseguia.
Isabela, por sua vez, parecia se deliciar com a situação.
Começou a frequentar os mesmos círculos sociais que Lucas, sempre acompanhada de Thiago Mendes, o personal trainer.
Ela o tratava com uma indiferença calculada, como se ele fosse um conhecido distante, alguém cujo nome ela mal se lembrava.
Numa festa na casa de amigos em comum, Isabela passou por Lucas como se ele fosse invisível.
Ela segurava o braço de Thiago, rindo de algo que ele dizia ao pé do ouvido dela.
Thiago, percebendo Lucas, abriu um sorriso arrogante.
"E aí, chef? Tranquilo?"
Lucas apenas acenou com a cabeça, tentando controlar a raiva que fervia por dentro.
Isabela, ao ouvir a voz de Thiago, virou-se e olhou para Lucas como se o visse pela primeira vez.
"Ah, olá. Você é... amigo do dono da casa?"
Ela franziu a testa, fingindo esforço para reconhecê-lo.
"Lucas. Lucas Almeida. Seu noivo." A voz dele saiu mais áspera do que pretendia.
"Noivo?" Ela pareceu confusa, depois olhou para Thiago com um sorriso afetado. "Thiago, querido, acho que esse moço está me confundindo com alguém."
Um pequeno deslize. Se ela não se lembrava dele, como saberia que ele era "moço" e não "senhor"? Lucas registrou, mas não disse nada.
Ele observou os dois se afastarem, Isabela agarrada a Thiago de forma ostensiva.
Era um espetáculo patético.
Ele via a manipulação, a necessidade dela de se sentir desejada, de testar os limites dele.
O que ela não sabia era que ele já tinha ultrapassado o seu próprio limite.
Thiago, no entanto, não parecia satisfeito em apenas ignorá-lo.
Mais tarde, encontrou Lucas perto do bar.
"Então, chef", começou Thiago, o tom deliberadamente provocador, "já que a Isa não se lembra de nada... sobre você... talvez você pudesse me dar umas dicas. Sabe, do que ela gosta... na cama."
Ele piscou, um sorriso nojento nos lábios.
Isabela, a poucos metros, observava a cena com um interesse disfarçado.
Lucas sentiu o maxilar travar.
Uma onda de humilhação e fúria o atingiu.
Ele respirou fundo, lembrando-se de Lisboa, do seu plano.
Não valia a pena.
"Não sei do que você está falando", Lucas disse, a voz baixa e controlada, e se afastou.
Mas a imagem do sorriso de Thiago e do olhar expectante de Isabela ficou gravada em sua mente.
Aquele era o tipo de gente com quem ele estava lidando.
Eles não mereciam nada além do seu desprezo e do seu completo desaparecimento.
O apartamento que dividia com Isabela, antes um lar, agora parecia um mausoléu de memórias falsas.
Ele começou, discretamente, a separar seus pertences. Roupas, livros, utensílios de cozinha que eram só seus.
O resto, tudo que o ligava a ela, seria doado ou jogado fora.
Ele precisava de um corte limpo.