Nos dias seguintes, Sofia manteve uma postura impecável no escritório.
Profissional, eficiente, respeitosamente distante de Miguel.
Mas Beatriz não a esquecera.
A simples presença de Sofia, a sua beleza discreta mas inegável, era um tormento para a herdeira mimada.
Começou o assédio.
Café "acidentalmente" derramado sobre os documentos de Sofia.
Relatórios importantes que desapareciam misteriosamente, apenas para reaparecerem com erros grosseiros.
Comentários maldosos sussurrados nos corredores, altos o suficiente para Sofia ouvir.
Sofia suportava tudo com uma calma estudada.
E certificava-se, com uma mestria subtil, que Miguel testemunhasse "acidentalmente" alguns desses abusos.
Um olhar de sofrimento contido, uma lágrima rapidamente limpa.
Miguel começou a franzir o sobrolho cada vez que via Beatriz perto da secretária de Sofia.
Uma tarde, Sofia ficou até mais tarde, refazendo um trabalho sabotado.
Miguel passou pelo seu escritório, já vazio àquela hora.
Viu-a debruçada sobre a secretária, a luz do candeeiro a iluminar o seu rosto cansado.
Ela não o viu.
Mas ele viu-a.
E a semente da proteção começou a germinar.
No dia seguinte, a humilhação escalou.
Beatriz entrou no escritório de Sofia, o rosto uma máscara de fúria contida.
"Tu!" sibilou, apontando um dedo acusador.
"Andas a encontrar-te com o Miguel às escondidas, não andas?"
Sofia levantou-se, parecendo confusa e assustada.
"D. Beatriz, não sei do que está a falar."
"Não te faças de inocente!" Beatriz agarrou um copo de água da secretária de Sofia e atirou-lho à cara.
A água fria escorreu pelo rosto e cabelo de Sofia, ensopando a sua blusa.
Colegas de outros departamentos, atraídos pelo barulho, começaram a juntar-se à porta.
Beatriz, sentindo o público, elevou a voz.
"Vi-te! Ontem à noite, no carro dele! E estavas a usar o batom dele! Aquele vermelho que ele detesta em mim, mas que tu usaste para o seduzir!"
Sofia, tremendo, negou.
"Isso não é verdade! Eu nunca faria tal coisa!"
Mas a "prova" de Beatriz era convincente para os espectadores.
O batom. Um detalhe tão pequeno, tão íntimo.
Os murmúrios começaram. Condenação nos olhos dos colegas.
Beatriz sorriu, vitoriosa.
"Tirem-lhe a roupa! Quero ver que mais ela esconde!"
Dois seguranças da empresa, chamados por Beatriz, aproximaram-se hesitantes.
Sofia recuou, o pânico genuíno nos seus olhos.
"Não! Por favor!"
Foi nesse momento que Miguel apareceu.
A sua voz cortou o ar como uma lâmina.
"Beatriz! O que pensas que estás a fazer?"
Ele entrou na sala, o rosto uma tempestade.
Viu Sofia, encharcada, a blusa agarrada ao corpo, lágrimas silenciosas a escorrerem-lhe pelo rosto.
Num gesto rápido, tirou o seu casaco e cobriu os ombros dela.
"Miguel, querido!" Beatriz tentou justificar-se. "Ela estava a seduzir-te! Eu vi!"
Miguel olhou-a com frieza.
"O batom de que falas," disse ele, a voz controlada, "fui eu que lho dei. Pedi-lhe que o experimentasse para uma nova campanha de marketing. E sim, ela estava no meu carro porque lhe pedi para me acompanhar a uma reunião tardia."
Uma mentira. Mas uma mentira que protegia Sofia e expunha a loucura de Beatriz.
Beatriz ficou boquiaberta, sem palavras.
Os seguranças recuaram. Os colegas dispersaram, sussurrando.
"Peço desculpa," gaguejou Beatriz, percebendo o erro. "Eu... eu estava com ciúmes."
Miguel não demonstrou qualquer simpatia.
"Vai para casa, Beatriz. Precisamos de conversar mais tarde."
Ela saiu, humilhada.
Miguel virou-se para Sofia.
"Ao meu escritório. Agora."
A sua voz era imperativa.