Insegura? Possessiva? Essas palavras não descreviam a crueldade que matara Clara.
Lembrou-se da sua irmã.
Clara, sempre tão boa, tão trabalhadora, a sacrificar os seus próprios sonhos para que Sofia pudesse estudar.
Clara, que nunca faria mal a uma mosca.
As lágrimas vieram aos olhos de Sofia, desta vez genuínas.
"Eu... eu não culpo ninguém, Sr. Miguel," disse ela, a voz embargada. "Só quero manter o meu emprego. Preciso mesmo dele."
Miguel pareceu tocado pela sua aparente resignação.
"Porque é que este emprego é tão importante para ti?" perguntou ele, curioso.
Sofia hesitou, como se estivesse a debater-se internamente.
Depois, começou a tecer a sua história trágica.
Órfã de pai e mãe desde cedo.
Criada por uma tia distante que mal tinha para si.
Uma irmã mais nova, Clara, que trabalhara arduamente para a sustentar, contraindo dívidas para que Sofia pudesse ter uma educação.
E agora, com a morte súbita de Clara num "acidente", todas essas dívidas recaíam sobre ela.
Era uma história cuidadosamente construída, misturando meias verdades com mentiras descaradas.
Miguel ouviu em silêncio, o seu rosto a suavizar-se com compaixão.
Quando Sofia terminou, as lágrimas a escorrerem livremente, ele não fez mais perguntas.
Acreditara em tudo.
Sofia, exausta pela representação e pela dor real que a história evocava, deixou a cabeça cair sobre a secretária, os soluços a abalarem o seu corpo.
Acabou por adormecer ali mesmo, vencida pelo cansaço emocional.
Miguel observou-a a dormir por um momento.
Notou a curva delicada do seu pescoço, os cílios longos a roçarem-lhe as maçãs do rosto.
Pegou num cobertor fino do seu sofá e cobriu-a com cuidado.
Enquanto o fazia, Sofia, no seu sono, agarrou-lhe a mão.
"Clara..." murmurou ela, confundindo-o com a irmã. "Não te preocupes, vou vingar-te..."
Miguel hesitou, a mão presa na dela.
Depois, gentilmente, soltou-se.
Aquelas palavras, "vou vingar-te", ecoaram na sua mente.
Mas ele atribuiu-as ao delírio do sofrimento.
Dias depois, houve um baile de caridade.
Miguel e Sofia compareceram, ele como CEO, ela como sua assistente.
Beatriz também estava lá, mas Sofia, com uma manobra astuta envolvendo uma falsa emergência familiar, conseguiu que ela saísse mais cedo.
"Menos uma preocupação," pensou Sofia, vitoriosa.
Miguel, como sempre nestes eventos, bebeu um pouco demais.
No final da noite, enquanto se preparavam para sair, Sofia "acidentalmente" tropeçou e derramou um copo de água gelada sobre ele.
"Oh, meu Deus! Sr. Miguel, desculpe!"
Ele agarrou-lhe o braço para ela não cair, o corpo dela colado ao dele por um instante.
O cheiro do seu perfume, a proximidade.
Ele sentiu um arrepio.
"Não foi nada," disse ele, a voz um pouco rouca.
Sofia afastou-se rapidamente, o rosto corado.
"Eu... eu vou buscar um guardanapo."
Fugiu, mas não sem antes deixar cair, "acidentalmente", a chave do quarto de Beatriz na mão dele.
Beatriz, essa, já estava em casa, provavelmente a dormir profundamente, graças ao sonífero que Sofia conseguira misturar na sua última bebida antes de ela sair.
Sofia esperou no quarto de Beatriz, o coração a bater com antecipação.
Miguel entrou, cambaleando ligeiramente.
O quarto estava escuro, apenas a luz da lua a entrar pela janela.
Ele viu uma silhueta na cama.
"Beatriz?" chamou ele, a voz arrastada.
Confundiu-a. Perfeito.