A voz dele, do outro lado da linha, soou impaciente, como sempre quando se tratava dela.
"Sofia? O que quer desta vez? Mais dinheiro para suas festas?"
A ironia doía. Festas. Aqui, no meio do nada, sua única festa era a solidão.
"Eu aceito," ela disse, a voz surpreendentemente firme, cortando a zombaria dele.
"Aceita o quê?"
"O casamento. Com o tal João, do sertão da Bahia. Eu me caso."
Um silêncio pesado instalou-se na linha.
Sofia podia quase ouvir os pensamentos do pai, o alívio mal disfarçado. Laura, sua preciosa enteada, estaria livre.
"Mas," Sofia continuou, a voz ganhando força, "quero o que é meu por direito. A herança da minha mãe. Quero cada centavo. Como meu dote."
Outro silêncio, mais longo.
Então, a voz do Senhor Almeida, agora com um tom calculista.
"Está bem, Sofia. Se é isso que quer para acabar com essa rebeldia."
Rebeldia. Era assim que ele via sua dor, seu sentimento de abandono.
Ela desligou, o coração batendo forte contra as costelas. Uma mistura de desafio e um medo gelado do desconhecido.
As lembranças vieram como uma enxurrada, dolorosas e nítidas.
Sua mãe, tão vibrante, definhando em uma cama de hospital. A morte prematura.
E então, rápido demais, o novo casamento do pai. Com Amélia, sua paixão de juventude, a mãe de Laura.
Laura. Doce e frágil na aparência, mas com olhos que brilhavam com uma astúcia que Sofia aprendeu a temer.
De repente, Sofia era a intrusa em sua própria casa. O centro das atenções do pai deslocou-se para a nova esposa e, principalmente, para Laura.
Cada gesto de carinho para Laura era uma farpa em seu coração.
A rebeldia começou aí. Festas, roupas caras, amantes passageiros na Suíça, tudo financiado pelo dinheiro do pai, uma provocação constante.
Uma tentativa desesperada de ser vista, de sentir alguma coisa além do vazio.
Até que veio a notícia da "política de integração social".
Uma desculpa esfarrapada.
Seu pai queria proteger Laura de um casamento arranjado no interior, um destino considerado indigno para sua enteada perfeita.
E Sofia, a filha problema, era o sacrifício perfeito.
Antes do sertão, porém, veio o Pantanal. A estação de pesquisa do Capitão Ricardo.
Um amigo da família, encarregado de "endireitá-la".
Ricardo. Frio, disciplinado, dedicado ao trabalho.
Um homem que ela, em sua carência e desafio, decidiu que seria seu.
Ele era alto, forte, com olhos penetrantes que pareciam ver através dela.
Mas sua frieza era uma muralha.
Por três anos, ela tentou.
Deixava bilhetes provocantes. Usava roupas que realçavam suas curvas sob o calor úmido do Pantanal.
Fingia precisar de ajuda com equipamentos pesados, apenas para sentir a proximidade dele.
Às vezes, ele parecia ceder. Um olhar mais demorado. Uma ajuda não solicitada para carregar algo pesado.
Uma vez, encontrou um frasco de repelente natural em sua mesa, feito com ervas locais, do tipo que ele mesmo usava. Ele nunca admitiu ter deixado lá.
Esses pequenos gestos alimentavam uma esperança frágil.
Mas Laura estava sempre presente, mesmo à distância.
Laura, a bióloga assistente na estação, que chegara alguns meses depois dela.
Laura, que Ricardo tratava com uma deferência especial.
Ele guardava um artesanato malfeito que ela lhe dera, um pequeno jacaré de argila, em sua mesa.
E havia a história. Laura o "salvara" de um ataque de onça durante uma expedição.
Um arranhão no braço dele, um desmaio "heroico" dela.
Desde então, ele se sentia em dívida. Uma dívida que Laura cobrava com juros, com sorrisos doces e olhares desamparados que o mantinham preso.
Sofia observava tudo, o ciúme e a mágoa crescendo.
Ela via a forma como ele falava com Laura, a gentileza em sua voz, um tom que ele nunca usava com ela.
Um dia, ela o viu rindo com Laura perto do rio, uma risada genuína, relaxada.
Naquele momento, algo dentro dela se quebrou.
A decisão de ligar para o pai e aceitar o casamento no sertão veio logo depois.
Era uma fuga, uma rendição, um último ato de desafio.
Se não podia ter o amor dele, teria sua liberdade, mesmo que fosse em um lugar desconhecido e assustador.
A água do chuveiro da estação acabou bem na sua vez.
Típico.
Sofia improvisou um banho em seu pequeno alojamento, usando um balde e uma caneca.
Estava seminua, ensaboando-se, quando ouviu vozes do lado de fora.
Ricardo. E outros.
Seu coração disparou.
Ela se enrolou às pressas em uma toalha fina, bem no momento em que a porta se abriu sem aviso.
Ricardo parou na soleira, os olhos percorrendo-a rapidamente, o rosto uma máscara de severidade.
Os outros homens desviaram o olhar, constrangidos.
"O que significa isto, Sofia?" a voz dele era dura.
"A água do chuveiro acabou," ela respondeu, tentando manter a voz firme, sentindo o rubor subir pelo pescoço.
"E isso lhe dá o direito de transformar seu alojamento em um banheiro particular? Existem regras nesta estação."
Ele a repreendeu ali, na frente dos outros, como se ela fosse uma delinquente.
A humilhação queimava.
Ele não perguntou se ela precisava de algo. Não mostrou qualquer preocupação.
Apenas a acusou.
"Vista-se. E limpe essa bagunça."
Ele fechou a porta com força.
Sofia ficou ali, tremendo, não de frio, mas de raiva e mágoa.
Era sempre assim. Ele sempre assumia o pior dela. Sempre a julgava.
A decisão de partir, de aceitar o sertão, pareceu ainda mais acertada.