Ele nem olhou para mim.
Isabela, no entanto, parou de rir e olhou para a chávena com curiosidade.
"O que é isto, querido? Um chá especial?"
"É só um remédio", disse Thiago, com desdém. "Coisas de curandeira."
Isabela pegou na minha mão quando eu me virei para sair. A sua pele era macia, as unhas perfeitamente feitas. O toque dela era como o de uma aranha.
"Sofia, querida, obrigada. O Thiago contou-me como tens sido dedicada a cuidar dele. Ele disse que te ama muito por isso."
A mentira era tão descarada, tão provocadora, que era quase cómica.
Thiago riu. "Sim, eu amo-a como se ama uma muleta útil. Agora bebe o teu chá, Sofia preparou-o especialmente para ti."
Ele estava a gozar comigo, a humilhar-me na frente dela.
Puxei a minha mão. "O meu trabalho está feito."
Virei-me para sair da sala de jantar.
"Espera." A voz de Thiago era uma ordem. "Onde pensas que vais?"
"Para o meu quarto."
"Não. Hoje vais ficar aqui. Vais servir-nos o pequeno-almoço."
Olhei para ele. A minha paciência, que eu pensava ser infinita, estava a esgotar-se.
"Isso não faz parte do meu contrato."
"Eu estou a fazer com que faça parte. Ou fazes o que eu digo, ou podes começar a fazer as malas. Mas não penses que vais sair desta casa com um único centavo."
A ameaça era vazia. Eu não queria o dinheiro dele. Eu só queria a minha liberdade.
"O contrato termina em cinquenta e nove dias. Até lá, eu cumprirei as minhas obrigações originais. Nada mais."
O rosto de Thiago ficou vermelho de raiva. Ele nunca tinha sido contrariado por mim. A minha submissão silenciosa era algo que ele dava como garantido.
"Tu estás a desafiar-me?"
"Estou a esclarecer os termos do nosso acordo."
Ele levantou-se, derrubando a cadeira. "Sua..."
"Thiago, querido, acalma-te." Isabela interveio, a voz suave como seda. "Não vale a pena ficares chateado por causa dela. Deixa-a ir. Nós podemos ficar sozinhos."
Ela estava a deitar gasolina no fogo, a pintar-me como uma perturbação insignificante para a felicidade deles.
Ele respirou fundo, controlando-se.
"Tens razão. Sai da minha frente", ele cuspiu na minha direção. "A tua presença arruína o meu apetite."
Voltei para o meu quarto e comecei a arrumar as minhas poucas coisas numa mala pequena. Roupas simples, alguns livros. A caixa de madeira com as memórias de Lucas.
Eu não ia esperar mais cinquenta e nove dias de tortura. Eu ia sair assim que pudesse.
Preparei uma última grande quantidade do chá medicinal. O suficiente para durar alguns meses. Era a minha última obrigação. Mesmo na minha partida, eu não o deixaria sofrer fisicamente. A minha consciência não o permitiria. Era um sacrifício da minha própria vitalidade, pois a erva principal exigia um processo de preparação que me deixava exausta, mas era a última coisa que eu faria por aquela família.
Naquela noite, o meu telemóvel tocou. Era o motorista de Thiago. A voz dele estava em pânico.
"Dona Sofia, é o Senhor Thiago! Ele está a ter uma crise! Uma muito má! Ele e a Dona Isabela estavam num clube, ele bebeu muito... por favor, ajude!"
Eu sabia o que tinha acontecido. O álcool em excesso anulava o efeito do chá. Ele sabia disso, mas a sua arrogância e o desejo de impressionar Isabela devem tê-lo feito esquecer.
"Onde estão vocês?"
"Estamos a caminho de casa. Mas ele está muito mal!"
Desci as escadas a correr. Quando o carro chegou, Thiago estava no banco de trás, a contorcer-se, os olhos revirados. Isabela estava ao lado dele, a gritar, inútil.
"Faz alguma coisa!", gritou ela para mim.
Empurrei-a para o lado, peguei na cabeça de Thiago e forcei-o a beber um concentrado do chá que eu tinha preparado para emergências.
Lentamente, os espasmos pararam. A respiração dele acalmou. Ele adormeceu, exausto.
Isabela olhava para mim com uma mistura de medo e ódio. O poder que eu tinha sobre a vida dele era algo que ela não podia suportar.
No dia seguinte, Thiago confrontou-me. Ele estava pálido e fraco.
"O que é que há naquele chá?", perguntou ele, a voz rouca.
"É a cura", respondi simplesmente.
"É um veneno! É uma forma de me controlares! Tu fizeste aquilo de propósito!"
A acusação era tão absurda, tão injusta, que me deixou sem fôlego. Eu salvei-lhe a vida, e ele acusava-me de tentar matá-lo.
"Pensa o que quiseres", disse eu, virando-me para sair.
Ele agarrou-me pelo braço. "Tu não vais a lado nenhum. Eu quero saber o que é aquilo."
Enquanto ele me segurava, a sua mão esbarrou no bolso do meu casaco. Um pequeno frasco de vidro caiu no chão. Era um dos meus próprios remédios, para a dor crónica que eu sentia desde a preparação intensiva do chá dele.
Ele apanhou-o. "O que é isto?"
"Não é nada."
Ele não acreditou. Abriu o frasco, cheirou e guardou-o no bolso.
"Vou mandar analisar isto. E se eu descobrir que me estás a envenenar, vou fazer-te pagar."
Ele saiu, deixando-me ali, a tremer. Não de medo, mas de uma dor profunda e cansada. Ele tinha roubado o meu remédio, a única coisa que aliviava o custo físico de o manter vivo. A injustiça era esmagadora.