Sofia Lima abriu os olhos devagar, a cabeça latejava como se tivesse sido atingida por um martelo.
Um teto branco e desconhecido surgiu à sua frente.
O cheiro de desinfetante invadiu-lhe as narinas.
"Onde estou?", murmurou, a voz rouca.
Uma enfermeira de rosto gentil aproximou-se.
"Está no hospital, menina. Sofreu um acidente de carro."
Acidente? Sofia franziu a testa, tentando lembrar-se. Nada. Um vazio.
A porta abriu-se e Leonor Vasconcelos, a sua melhor amiga, entrou apressada, o rosto pálido de preocupação.
"Sofia! Graças a Deus, acordaste!"
Leonor correu para a cama, segurando a mão de Sofia.
"Como te sentes? O médico disse que tiveste sorte."
Sofia olhou para Leonor, um leve sorriso nos lábios. "Leonor... estou bem, só um pouco confusa."
"Lembras-te do que aconteceu?"
Sofia abanou a cabeça. "Não... nada."
Leonor hesitou, mordendo o lábio. "Não te lembras... de nada mesmo? Do Tiago?"
"Tiago?", Sofia repetiu, o nome soava estranho, desconhecido. "Quem é Tiago?"
Leonor arregalou os olhos, a surpresa estampada no rosto. "Não te lembras do Tiago? Meu irmão?"
Sofia continuava a olhar para ela, confusa.
"Sofia, o Tiago... tu eras apaixonada por ele. Durante sete anos."
A revelação caiu como uma bomba no quarto silencioso.
Apaixonada? Sete anos? Por um desconhecido?
"Não pode ser", disse Sofia, a voz trémula. "Eu não me lembro dele."
Leonor pegou no telemóvel de Sofia, que estava na mesinha de cabeceira.
"Olha. O código do teu telemóvel. É o aniversário dele."
Sofia observou, incrédula, enquanto Leonor digitava os números. O ecrã desbloqueou-se.
A galeria de fotos estava cheia de imagens de um homem. Um homem bonito, de feições marcadas, mas com um olhar frio.
"Este é o Tiago?", perguntou Sofia, o coração a apertar-se inexplicavelmente.
Leonor assentiu, os olhos tristes. "Sim. E este é o teu diário digital."
Leonor abriu uma aplicação. Palavras e palavras de angústia, de amor não correspondido, de dor.
Sofia começou a ler, e embora as memórias não viessem, uma onda de tristeza profunda invadiu-a. Uma dor familiar, como um membro fantasma.
Ela sentia a dor, mesmo sem se lembrar da causa.
Lágrimas silenciosas rolaram pelo seu rosto.
"Eu... eu não quero isto", disse Sofia, a voz embargada. "Eu não quero sentir esta dor por alguém que nem conheço."
Com as mãos a tremer, começou a apagar as fotos, uma por uma. Depois, o diário.
Cada toque no ecrã era um passo para longe daquele passado desconhecido, mas doloroso.
Leonor observava, em silêncio, respeitando a decisão da amiga.
O telemóvel de Sofia tocou. Era a mãe dela, a ligar do Porto.
"Filha! Como estás? Soube do acidente. Queria que voltasses para casa, para o Porto. Tenho um rapaz ótimo para te apresentar, talvez te ajude a esquecer essas mágoas de Lisboa."
Sofia olhou para Leonor, uma nova determinação no olhar.
"Mãe", disse ela, a voz firme. "Eu vou. Compro já a passagem de comboio."
Libertar-se. Recomeçar. Era tudo o que ela queria.