Até a noite da festa de São João na fazenda da família, em Minas. O cheiro de milho assado e quentão pairava no ar, misturado com o som da sanfona. Era para ser mais uma noite perfeita. Mas não foi.
A primeira traição aconteceu ali, sob o céu estrelado do interior. Um rival nos negócios, com um sorriso falso, drogou a bebida de Vicente. Ele ficou desorientado, vulnerável. Isadora, a estagiária de arquitetura com rosto de anjo, viu a oportunidade. Ela o guiou para longe da fogueira, para um dos quartos de hóspedes.
Sofia não viu, mas soube. O sexto sentido, a ausência dele, o olhar culpado de um dos empregados. Quando ela o confrontou na manhã seguinte, ele não negou. Apenas baixou a cabeça, o poderoso Vicente parecendo um menino perdido.
Ela fez as malas. Voltou para seu apartamento em Santa Teresa, no Rio. Decidiu que era o fim.
Então, a chuva começou. E com ela, a penitência de Vicente. Ele ficou parado em frente ao portão dela. Três dias e três noites. Sem comer, sem dormir, apenas de pé, sob a tempestade, com os olhos fixos na janela dela. A imagem dele, encharcado e quebrado, foi estampada em todos os sites de fofoca.
"Sofia, por favor. Eu te amo. Foi um erro, eu não estava em mim. Eu morro sem você."
As palavras dele, gritadas entre os trovões, ecoavam em seu coração. No terceiro dia, exausta e com o coração em pedaços, ela abriu o portão. Ela o perdoou. O amor deles, ela pensou, era forte o suficiente para superar aquilo.
A segunda traição foi mais fria, mais calculada. Meses depois, Sofia viajou para São Paulo para uma feira de arte. Por acaso, passou em frente a uma das clínicas de maternidade mais luxuosas da cidade. E lá estava ele. Vicente, com o braço em volta de Isadora, que tinha um sorriso satisfeito e uma barriga proeminente. Eles saíam de uma sala de ultrassom.
O mundo de Sofia desabou pela segunda vez.
Naquela noite, a desculpa dele foi uma história elaborada, cheia de drama e um senso de honra distorcido.
"Eu sofri um acidente, meu iate virou numa tempestade em Angra," ele disse, a voz séria. "Isadora estava lá, num barco pequeno. Ela me salvou. Eu devo minha vida a ela."
Ele continuou, a voz baixa. "Minha avó... Dona Eleonora... ela descobriu sobre a gravidez. Ameaçou me deserdar se eu não assumisse o meu filho, o herdeiro da família. Sofia, meu amor, é só por aparência. Assim que a criança nascer, eu juro, eu as mando para o exterior. Com dinheiro, com tudo que precisarem. Elas nunca mais vão cruzar o nosso caminho. Você é a mulher da minha vida. Só você."
Ela, mais uma vez, acreditou. Ou quis acreditar. A pressão do nome da família, a ameaça da matriarca, a dívida de vida. Parecia uma armadilha da qual ele não podia escapar. Ela aceitou, engolindo a dor.
A terceira traição foi a que a quebrou. Aconteceu num leilão de arte beneficente. O item principal da noite era uma pequena caixa de joias de jacarandá, do período colonial. Era a única herança de valor que Sofia tinha de sua bisavó, uma peça que ela teve que vender anos atrás para pagar uma dívida de família. Vê-la ali foi como reencontrar um pedaço de si mesma.
Ela queria a caixa de volta. Vicente sabia disso. Ele sorriu para ela, um sorriso que prometia o mundo.
O leilão começou. Sofia deu um lance modesto. Imediatamente, outro lance, mais alto, veio do outro lado do salão. Era Vicente. Ela sorriu, pensando que ele estava fazendo uma surpresa. Mas ele não parou. Os lances subiram, cada vez mais altos, uma demonstração de poder financeiro que silenciou a sala.
Finalmente, o martelo bateu. "Vendido para o senhor Vicente!"
Ele se levantou, pegou a caixa e, em vez de caminhar até Sofia, atravessou o salão em direção a Isadora, que o observava com um ar triunfante. Ele entregou a caixa nas mãos dela, na frente de todos.
Sofia ficou paralisada. O murmúrio na sala era ensurdecedor.
Mais tarde, ele tentou se justificar. "Isadora está com depressão pré-natal. Ela ficou obcecada pela caixa, disse que a acalmava. O médico disse que eu não podia contrariá-la. É pelo bem do bebê, Sofia. Você entende, não é? É um sacrifício por nosso futuro."
Enquanto ele falava, Isadora, ao lado dele, fingiu torcer o pé, soltando um pequeno gemido de dor.
"Ai, meu pé!"
Vicente não hesitou. Ele se virou bruscamente, empurrando Sofia para o lado para poder amparar Isadora. O empurrão não foi forte, mas foi o suficiente. Foi um empurrão que a tirou do caminho, que a colocou em segundo plano, que a tornou um obstáculo.
Ele a abandonou ali, no meio do salão, para cuidar da outra mulher. Humilhada, invisível.
Naquele instante, algo dentro de Sofia se partiu para sempre. O amor, a esperança, a fé em seu conto de fadas. Tudo se transformou em cinzas.
Ela observou de longe Vicente levar Isadora para o hospital. Ele alugou um andar inteiro só para ela. A equipe médica estava de prontidão, como se esperassem uma rainha. Ele a mimava, trazia doces caros de São Paulo porque ela "teve um desejo".
Sofia sentiu uma dor aguda no peito. Ele nunca tinha sido assim com ela. Nem mesmo quando ela pegou uma pneumonia grave e ficou internada por uma semana. Ele a visitava, sim, mas sempre entre reuniões, sempre olhando o relógio.
No dia seguinte, Sofia foi até a casa de Vicente. Isadora a recebeu na porta, vestindo um robe de seda caro, a mão protetoramente sobre a barriga.
"O que você quer?", perguntou Isadora, com um sorriso vitorioso.
"Eu quero o divórcio", disse Sofia, a voz firme. "Eu ofereci dinheiro a você da primeira vez. Uma quantia generosa para você desaparecer. Você recusou."
Isadora riu. "Dinheiro? Por que eu aceitaria um pagamento único quando posso ter o banco inteiro? Eu serei a senhora da casa. A mãe do herdeiro."
Sofia a encarou, os olhos frios. "Tudo bem. Mas eu quero o divórcio. E quero que você o faça assinar os papéis."
"E por que eu faria isso?"
"Porque se eu continuar sendo a esposa dele, legalmente, metade de tudo isso", Sofia gesticulou para a mansão, "é meu. Se nos divorciarmos agora, com um acordo, eu saio com muito menos. Pense nisso como um investimento no seu futuro. Livre-se de mim e o caminho fica livre para você."
Isadora ponderou por um momento, a ambição brilhando em seus olhos. Ela viu a lógica. "Tudo bem. Eu o farei assinar."
Naquela noite, no seu apartamento em Santa Teresa, Sofia encaixotou dez anos de sua vida. O álbum de fotos do primeiro Carnaval juntos em Salvador. A flor seca que ele colheu para ela numa viagem à Serra da Estrela, em Portugal. O anel de noivado que ele lhe deu no topo do Pão de Açúcar, com o Rio de Janeiro aos seus pés.
Ela pegou a caixa pesada, levou-a até a lixeira na rua e a jogou fora. Cada foto, cada lembrança, cada promessa quebrada. Um baque surdo no fundo do metal. Fim.
Dois dias depois, Isadora ligou.
"Ele assinou. Misturei os papéis da dissolução da união estável com uns contratos da empresa. Ele nem leu."
Sofia foi até a mansão para pegar os documentos. Vicente estava lá, escolhendo um berço caríssimo online. Isadora estava ao seu lado, apontando para a tela.
"Eu quero este, de madeira maciça importada da Itália", dizia ela, com a voz mimada.
Vicente nem olhou para Sofia. Ele apenas disse ao seu advogado, que estava presente: "Resolva tudo que ela precisar."
Sofia pegou os papéis assinados. A assinatura dele, tão familiar, agora parecia a de um estranho. Ela olhou para a cena doméstica deles, a futura "família de três", e sentiu um gosto amargo na boca. O conto de fadas tinha se tornado um pesadelo. E ela estava finalmente acordando.