Quando o Conto de Fadas Vira Pesadelo
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Capítulo 2

Com os papéis do divórcio em mãos, Sofia sentiu um peso estranho, uma mistura de alívio e dor. O nome de Vicente, assinado com a familiaridade de dez anos, agora era a chave para a sua liberdade.

Ela olhou para ele, que ainda discutia os méritos de um móbile de cristal com Isadora. Ele não fazia ideia do que tinha acabado de fazer. Para ele, era apenas mais um negócio, mais um papel na pilha de sua vida ocupada.

"Está tudo certo?", perguntou o advogado, um homem de rosto impassível.

"Sim. Tudo certo", respondeu Sofia, a voz mais firme do que se sentia.

Ela se virou para sair, mas a voz de Vicente a deteve. "Sofia."

Ela parou, mas não se virou.

"Não faça nada precipitado. Isso tudo vai passar. Nós vamos superar isso."

Ela sentiu uma risada amarga subir pela garganta. Superar? Ele achava que isso era uma gripe, uma crise passageira? Ele não via que tinha amputado um membro dela e esperava que ela continuasse a andar normalmente?

"Adeus, Vicente."

Ela saiu da mansão sem olhar para trás.

Mais tarde, o telefone dela tocou. Era ele. A raiva dele vibrava através da linha.

"Você realmente fez isso? Deu entrada no divórcio?"

"Eu disse que faria."

"Isadora está passando mal por sua causa! O estresse pode prejudicar o bebê! Você não pensa nisso?"

Sofia permaneceu em silêncio. Ele sempre encontrava uma maneira de culpá-la, de torcer a realidade até que ela se tornasse a vilã.

"Eu vou buscar você. Vamos conversar."

"Não há mais nada para conversar."

"Eu estou indo."

Minutos depois, ela ouviu o som do motor potente do carro dele na rua. Mas antes que ele pudesse chegar à porta dela, o telefone dele tocou. Ela não precisava ouvir para saber quem era. Isadora, com alguma emergência fabricada, alguma necessidade urgente que só ele poderia satisfazer.

Ela observou pela janela enquanto o carro dele fazia a volta e acelerava na direção oposta, deixando-a para trás mais uma vez. O padrão era tão claro, tão dolorosamente previsível.

Na manhã seguinte, o céu do Rio desabou. Uma tempestade tropical, daquelas que inundam a cidade, começou. E era exatamente o dia que ela precisava ir ao cartório para formalizar a entrega dos documentos.

Ela não tinha carro. Tinha vendido o seu anos atrás, porque Vicente insistia que ela usasse um dos dele, com motorista. Agora, ela estava sozinha.

Ela colocou uma capa de chuva, pegou um guarda-chuva e saiu. A caminhada até o ponto de ônibus foi uma batalha contra o vento e a água. As ruas de Santa Teresa haviam se transformado em rios. A água gelada encharcava suas calças, seus sapatos.

O ônibus demorou uma eternidade. Quando finalmente chegou, estava lotado, cheirando a umidade e desespero. Ela se segurou numa barra de metal, o corpo tremendo de frio e exaustão. Cada solavanco do veículo parecia ecoar a turbulência em sua alma.

No cartório, a fila era longa. Pessoas presas pela chuva, tentando resolver suas vidas. Ela esperou por quase duas horas, sentindo o olhar de pena de algumas pessoas, a indiferença da maioria.

Quando finalmente chegou sua vez, ela entregou os papéis. A funcionária olhou os documentos, carimbou-os com uma força burocrática e disse: "Agora começa o período de reflexão obrigatório. Vocês têm um mês para reconsiderar antes que seja finalizado."

Um mês. Mais um obstáculo. Mas era um passo. O passo mais importante.

No caminho de volta, a chuva diminuiu e o sol apareceu, fraco, entre as nuvens. Era como se o mundo estivesse respirando aliviado junto com ela.

Ela chegou em casa encharcada, exausta, mas com uma nova sensação de leveza. Ela tomou um banho quente e demorado, tentando lavar não apenas a sujeira da rua, mas a sujeira dos últimos meses.

Enquanto se secava, ouviu risadas vindas da casa vizinha. A janela do seu quarto dava para o jardim da mansão de Vicente. Ele estava lá, sob um toldo, com Isadora. Eles riam, ele a abraçava por trás, a mão em sua barriga. Pareciam felizes.

Sofia fechou a cortina. O som da felicidade deles era uma tortura.

Ela se deitou na cama, o corpo dolorido. Uma febre começou a subir. O frio, o estresse, a dor emocional. Tudo cobrando seu preço. Ela se encolheu sob as cobertas, tremendo.

Lembrou-se de uma vez, anos atrás, quando teve uma simples gripe. Vicente cancelou uma viagem de negócios a Nova York para ficar com ela. Ele fez canja, mediu sua temperatura de hora em hora, leu para ela até que ela adormeceu. "Eu não posso te perder nem por um resfriado", ele sussurrou em seu cabelo.

Onde estava aquele homem? Aquele amor? Tinha sido real ou apenas uma ilusão que ela construiu?

A febre aumentou. Ela delirava, chamando por sua mãe. Mas estava sozinha. O silêncio do seu apartamento era quebrado apenas pelos seus próprios gemidos e pelas risadas distantes do outro lado do muro. O homem que um dia prometeu cuidar dela na saúde e na doença estava a poucos metros de distância, construindo uma nova vida sobre as ruínas da dela. E ele nem percebia.

            
            

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