Quando o Conto de Fadas Vira Pesadelo
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Capítulo 4

O cheiro de antisséptico invadiu as narinas de Sofia. Ela abriu os olhos e viu o teto branco de um quarto de hospital. Sua cabeça latejava. Ela levou a mão à nuca e sentiu os pontos.

A memória da noite anterior voltou com a força de um soco. O empurrão, a queda, o olhar de desprezo de Vicente.

A porta do quarto se abriu e ele entrou. Seus olhos estavam vermelhos, mas não pareciam ser de preocupação por ela.

"Você acordou", disse ele, a voz neutra.

Ele parou ao lado da cama, evitando o olhar dela. "O médico disse que você teve uma concussão leve. Nada grave."

Sofia não respondeu. Apenas o observava, esperando.

Ele pigarreou, desconfortável. "Preciso te pedir uma coisa."

Aí estava. Sempre havia um pedido.

"Isadora teve um sangramento ontem à noite. O estresse do... incidente. Ela perdeu muito sangue. O tipo sanguíneo dela é raro. O mesmo que o seu."

Sofia sentiu um frio percorrer sua espinha. Ela sabia o que viria a seguir.

"O hospital não tem estoque suficiente. Os médicos estão preocupados com ela e com o bebê. Eles precisam de uma transfusão. Urgente."

Ele finalmente a olhou nos olhos, e o que ela viu não foi um pedido, mas uma ordem. "Sofia, você precisa doar sangue para ela."

A absurdidade da situação era tão imensa que ela quase riu. Ele a deixou sangrando na calçada para socorrer a mulher que a empurrou, e agora queria que ela, a vítima, doasse seu próprio sangue para salvar a agressora.

"Não", ela disse, a voz fraca mas firme.

A expressão dele endureceu. "Não é uma pergunta. É a vida do meu filho que está em jogo. Você me deve isso. Depois de tudo que eu fiz por você por dez anos."

Ele se aproximou, a mão dele segurando o braço dela com força. "Você vai fazer isso."

Ele não esperou por uma resposta. Chamou a enfermeira. Eles a levaram numa cadeira de rodas para a sala de coleta. Ela não resistiu. Estava fraca demais, física e emocionalmente, para lutar.

Enquanto a agulha perfurava a sua veia e o seu sangue, o seu raro e precioso sangue, começava a encher a bolsa, ela se lembrou de uma promessa que ele lhe fizera anos atrás. Eles estavam caminhando na praia, e ela cortou o pé num coral. Ele a carregou no colo por quilômetros, limpou o ferimento com um cuidado infinito e disse: "Eu nunca vou deixar uma gota do seu sangue ser derramada em vão. Cada parte de você é sagrada para mim."

Ela fechou os olhos, uma lágrima solitária escorrendo pelo seu rosto. O sagrado tinha sido profanado.

Assim que a bolsa de sangue ficou cheia, Vicente se afastou, levando-a consigo como um troféu, sem sequer um "obrigado". Ele correu para o quarto de Isadora, deixando Sofia sozinha na sala de coleta, com um pedaço de algodão pressionado no braço e um vazio no peito.

Mais tarde, uma enfermeira a ajudou a voltar para o seu quarto. Exausta, ela adormeceu. Acordou horas depois com o som de vozes no corredor. Eram Vicente e Isadora.

Ela se levantou devagar e foi até a porta, abrindo uma pequena fresta.

Vicente estava empurrando Isadora numa cadeira de rodas. Ela parecia pálida, mas tinha um sorriso vitorioso. Ele estava sendo extremamente cuidadoso, ajustando o cobertor sobre as pernas dela.

"Está confortável, meu amor?", ele perguntou.

"Sim. Graças a você. E ao sangue dela", Isadora disse, com uma ponta de malícia. "Acho que agora temos um laço de sangue, não é? Eu, você, o bebê e ela. Quase uma família."

Vicente sorriu, um sorriso cansado. Ele se inclinou e beijou a testa dela. E então, Sofia viu de novo. O rosário. Brilhando sob a luz fria do hospital.

Foi nesse momento que Sofia tomou sua decisão final. Não haveria mais conversas, não haveria mais "períodos de reflexão".

Ela voltou para o quarto, pegou o telefone e ligou para o seu advogado.

"Eu quero que o divórcio seja finalizado. Imediatamente. Use qualquer meio necessário."

Depois, ela caminhou até a recepção do hospital. Pegou um formulário de alta e começou a preenchê-lo com uma mão trêmula, mas determinada.

Enquanto escrevia seu nome, Vicente apareceu.

"O que você está fazendo?", ele perguntou, vendo o formulário.

"Indo embora."

"Você não pode. O médico não deu alta."

"Eu estou me dando alta."

Ela terminou de preencher, assinou e entregou à recepcionista, que olhou de um para o outro, confusa.

"Sofia, vamos conversar. Por favor."

"Nós não temos mais nada para conversar, Vicente. Nunca mais."

Ela se virou e caminhou em direção à saída, sem olhar para trás. Cada passo era uma declaração. Ela estava deixando para trás não apenas um hospital, mas dez anos de sua vida. E pela primeira vez, em muito tempo, ela sentiu que podia respirar.

                         

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