Quando o Conto de Fadas Vira Pesadelo
img img Quando o Conto de Fadas Vira Pesadelo img Capítulo 3
4
Capítulo 5 img
Capítulo 6 img
Capítulo 7 img
Capítulo 8 img
Capítulo 9 img
Capítulo 10 img
Capítulo 11 img
Capítulo 12 img
Capítulo 13 img
Capítulo 14 img
Capítulo 15 img
Capítulo 16 img
Capítulo 17 img
Capítulo 18 img
Capítulo 19 img
Capítulo 20 img
Capítulo 21 img
Capítulo 22 img
img
  /  1
img

Capítulo 3

Sofia acordou suando, a garganta seca. A febre tinha baixado um pouco, mas a fraqueza permanecia. Ela se arrastou até a cozinha para beber um copo d'água e viu a porta se abrir.

Era Vicente. Ele tinha uma chave. Claro que tinha.

Ele a olhou, o rosto uma máscara de preocupação. "Você está doente. Por que não me ligou?"

A hipocrisia da pergunta a deixou sem palavras.

"Eu trouxe sopa. A sua preferida, do restaurante que você gosta."

Ele colocou o recipiente na mesa e se aproximou, tentando tocar sua testa. Sofia recuou instintivamente. O toque dele, que antes era seu porto seguro, agora parecia uma invasão.

"Não me toque."

A voz dela era um sussurro rouco.

Ele suspirou, um som de frustração. "Sofia, pare com isso. Eu sei que você está magoada, mas eu estou aqui agora. Deixe-me cuidar de você."

Ele pegou uma colher, abriu a sopa e tentou levar à boca dela. Aquele gesto, tão íntimo, tão carregado de memórias, agora era apenas uma performance vazia.

Antes que ela pudesse recusar, o celular dele tocou. O toque era diferente, uma música suave. O toque que ele tinha designado para Isadora.

Ele olhou para o aparelho, o rosto se transformando. A preocupação por Sofia evaporou, substituída por uma urgência diferente.

"Tenho que atender."

Ele se afastou, a voz baixando para um murmúrio carinhoso. "Sim, meu amor? O que foi? Você está com dor? Onde? Estou indo agora mesmo, não se preocupe."

Ele desligou e olhou para Sofia, já pegando as chaves do carro. "Isadora não está se sentindo bem. Preciso ir."

Sofia apenas o observou. Ela não disse nada. Não havia mais nada a ser dito. A escolha dele era clara, repetida tantas vezes que se tornara uma rotina. Ela era uma obrigação, um problema a ser resolvido. Isadora era a prioridade, a paixão, o futuro.

Ele hesitou na porta. "Coma a sopa. Eu volto mais tarde."

Ela sabia que ele não voltaria.

Na semana seguinte, ele a convidou para jantar. "Um último jantar", ele disse. "Para conversarmos. Em público. Para mostrar a todos que ainda somos amigos."

Ela sabia que era uma armadilha, uma tentativa de manter as aparências para a avó e para o mundo dos negócios. Mas ela foi. Queria ver até onde a cegueira dele iria.

Ele a levou a um dos restaurantes mais caros da cidade. Durante o jantar, ele segurou a mão dela sobre a mesa, falou sobre o passado, sobre as viagens deles, sobre como sentia falta dela. Por um momento, a performance foi tão boa que quase a enganou.

Ele estava no meio de uma história sobre a viagem deles a Paris quando seu telefone tocou. Isadora, claro.

"Só um segundo", ele disse, o sorriso desaparecendo.

Ele atendeu, e desta vez não se afastou. A voz de Isadora era alta o suficiente para que Sofia ouvisse.

"Vicente! O bebê não para de chutar! Eu estou com medo! E eu quero aquele sorvete de pistache daquela sorveteria em Ipanema. Agora!"

Vicente olhou para Sofia, os olhos pedindo desculpas. "Eu preciso ir. Ela está assustada."

Ele se levantou, jogou um maço de dinheiro na mesa e se virou para sair. Sofia o observou, uma calma fria se instalando em seu coração.

Ela se levantou também e o seguiu para fora. Na calçada, enquanto ele esperava o manobrista trazer o carro, ela o alcançou.

"Vicente."

Ele se virou, impaciente. "O que foi agora, Sofia?"

"Nada. Só queria ver você ir."

Ele a olhou, confuso, e entrou no carro. Enquanto o carro se afastava, Isadora ligou novamente, desta vez em vídeo. Ele atendeu, o rosto se suavizando num sorriso amoroso.

Sofia observou a cena, a intimidade deles exposta na tela do celular. E então, aconteceu.

Isadora, do outro lado da linha, disse algo que fez Vicente rir. Ela se aproximou da câmera, a mão no peito, e Sofia viu. Ao redor do pescoço de Isadora estava o pequeno rosário de ouro que a mãe de Sofia lhe dera, uma peça que ela guardava em sua caixa de joias. Sofia o tinha deixado para trás na mansão.

Aquele rosário era sua proteção, sua fé. E agora estava no pescoço da outra mulher, um troféu.

O ar fugiu dos pulmões de Sofia. Uma dor física, aguda, a atingiu no peito. Era mais do que uma traição. Era uma profanação.

Enquanto ela estava ali, paralisada pela dor, um carro buzinou. Ela estava parada no meio da rua. Um homem gritou com ela. Ela nem ouviu.

De repente, sentiu um empurrão violento. Ela tropeçou para a frente, caindo com força na calçada. Sua cabeça bateu no meio-fio.

Ela olhou para cima, atordoada. Isadora estava ali, de pé sobre ela, o telefone ainda na mão. Ela tinha saído do carro de Vicente, que parara no sinal.

"Ops", disse Isadora, com um sorriso cruel. "Acho que você tropeçou."

Vicente saiu do carro, correndo. Mas não para Sofia. Ele correu para Isadora.

"O que aconteceu? Você está bem?", ele perguntou, examinando-a, ignorando completamente Sofia caída no chão.

"Ela me atacou!", gritou Isadora, começando a chorar. "Ela tentou me empurrar!"

Vicente olhou para Sofia, os olhos cheios de fúria e decepção. "Eu não acredito que você fez isso. Atacar uma mulher grávida? Você perdeu a cabeça?"

Ele não lhe deu a chance de responder. Ele colocou o braço em volta de Isadora e a levou de volta para o carro, deixando Sofia ali, caída na calçada, com a cabeça sangrando e o coração estilhaçado.

Ela fechou os olhos. A escuridão era um alívio bem-vindo.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022