Larissa, a atriz em ascensão, supostamente sofrendo de uma rara doença sanguínea.
Cada transfusão era uma negociação silenciosa, uma esperança vã de Isa por um pouco do afeto de Ricardo.
Ele nunca deu.
Esta era a 999ª transfusão.
Isa estava fraca, quase transparente.
Seu corpo não aguentava mais.
Ouviu a voz de Ricardo, distante, mas clara, do outro lado da cortina.
"Doutor, como ela está?"
A voz do médico era grave.
"Senhor Almeida, a condição da sua esposa é crítica. A nonagésima nona transfusão foi demais. Ela precisa de cuidados intensivos imediatos."
Silêncio.
Depois, a voz de Ricardo, fria, cortante.
"Deixe-a morrer. Só quero que Larissa sobreviva."
O mundo de Isa escureceu.
A dor da traição foi a última coisa que sentiu.
Então, luz.
Confusão.
Isa piscou, a cabeça latejando.
O mesmo cheiro de hospital, a mesma sensação da agulha.
Mas algo estava diferente.
Ela olhou para o próprio braço. Estava mais cheio, menos pálido.
Olhou ao redor.
Ricardo estava ali, a expressão tensa, olhando para a porta onde os médicos cuidavam de Larissa.
Era o dia da primeira transfusão.
Sete anos atrás.
O dia em que, desesperada para salvar Larissa e agarrar-se a Ricardo, ela exigiu o casamento.
Ele concordou, com frieza, os olhos fixos em Larissa.
Isa sentiu um calafrio percorrer sua espinha.
Ela renasceu.
Voltou ao ponto de partida de seu inferno pessoal.
Lembrou-se da sua obsessão por Ricardo, da sua devoção cega a ele, de como se humilhou por migalhas de atenção.
Lembrou-se de como Larissa, com sua doçura fingida, a manipulava, fazendo-a sentir-se culpada.
Sete anos de sofrimento reviveram em sua mente em segundos.
A dor, a esperança vã, a humilhação.
Tudo por um homem que, no final, a descartou como lixo.
"Isa, você está bem?"
A voz de Ricardo a trouxe de volta. Ele mal a olhava.
"Larissa precisa de você. O médico disse que só o seu sangue pode salvá-la."
Isa o encarou. Aquele rosto que ela tanto amou, agora lhe causava náuseas.
"Eu sei," ela disse, a voz surpreendentemente firme.
Na sua vida passada, neste momento, ela teria dito: "Eu dou meu sangue, mas você tem que casar comigo."
Ricardo a olhou, surpreso pela calma dela.
"Então você vai doar?"
"Vou," Isa confirmou. "Mas com uma condição."
Ele franziu a testa, impaciente. "Qual?"
"Quero que você se case com Larissa."
Ricardo arregalou os olhos, chocado. "O quê? Você enlouqueceu?"
"Não," Isa sorriu, um sorriso gelado. "Percebi que vocês se amam. Quero a felicidade de vocês."
Ele a estudou, desconfiado. "Você sempre me quis. O que você está tramando?"
Isa encolheu os ombros. "Nada. Apenas cansei."
Ela viu os documentos de Larissa sobre uma mesinha ao lado. Ricardo, em seu desespero, os havia esquecido ali. A identidade, o CPF.
Uma ideia brilhou em sua mente.
"Preciso ir ao banheiro," ela disse, levantando-se.
Ricardo não deu atenção, já voltado para a sala onde Larissa estava.
Isa pegou discretamente os documentos de Larissa e os seus próprios que estavam na sua bolsa.
No cartório, horas depois, com o sangue ainda latejando fracamente em suas veias pela transfusão recém-feita, Isa sorriu para o escrivão.
"Sim, queremos registrar o casamento. Ricardo Almeida e Larissa Mendes."
Ela usou uma procuração falsa, habilmente forjada com base em modelos que encontrou online, e os documentos de ambos.
O escrivão não questionou.
Isa saiu do cartório com a certidão de casamento em mãos.
Ricardo e Larissa estavam casados. E nem sonhavam com isso.
"Ricardo," ela pensou, "eu te dei o que você mais queria. Agora, me deixe em paz."
Seu sonho de ser estilista, de estudar em Paris, enterrado por sete anos, ressurgiu.
Desta vez, seria diferente.