Ao verem-no, não pareceram envergonhados.
"João Pedro, que bom que voltaste," disse Isabela, o seu tom casual, como se nada estivesse errado, "Já decidiste? O Lucas pode ficar?"
Lucas levantou-se, um sorriso humilde no rosto.
"João Pedro, se for um incómodo, eu posso mesmo ir embora, a Isabela já fez muito por mim."
Era uma manipulação tão óbvia que chegava a ser insultuosa.
"Não, Lucas, tu não vais a lado nenhum," disse Isabela, pondo-se à frente dele como uma leoa a proteger a sua cria, "Este lugar é tão meu quanto dele, tu ficas."
João Pedro olhou para ela, para o homem que ela defendia com tanta paixão, e sentiu algo a quebrar-se dentro de si.
Ele respirou fundo, a sua voz surpreendentemente calma.
"Tudo bem, ele fica."
Isabela sorriu, vitoriosa.
"Sabia que ias entender."
Lucas também sorriu, um brilho de triunfo nos seus olhos.
"Obrigado, João Pedro, prometo não incomodar."
"Não vais," concordou João Pedro, "Porque eu vou-me embora."
Ele foi ao seu estúdio, pegou numa pequena mala que guardava para viagens e começou a arrumar as suas coisas mais pessoais: algumas fotografias, os seus cadernos de esboços, um prémio que ganhara na faculdade.
Isabela seguiu-o, confusa.
"O que estás a fazer?"
"Estou a arrumar as minhas coisas," disse ele, sem olhar para ela, "Como disseste, o espaço também é teu, podem ficar com ele todo, afinal, eu sou supérfluo aqui."
"Para com o drama, João Pedro!" ela gritou, a sua paciência a esgotar-se, "Estás a agir como uma criança mimada! Onde está a compaixão que o teu pai sempre te ensinou a ter?"
A menção ao seu pai foi a gota de água.
O seu pai, um homem que construiu um império do nada, que sempre o ensinou a ser forte, mas também justo.
Ele virou-se, a sua calma a evaporar-se.
"O meu pai? Não te atrevas a falar do meu pai," a sua voz era baixa e perigosa, "O meu pai ensinou-me a ajudar os necessitados, não os manipuladores, e ensinou-me a proteger o que é meu, e tu, Isabela, estás a dar o que é nosso a um estranho."
Ele passou por ela, a mala na mão, e dirigiu-se para a porta.
Isabela ficou pálida, as suas palavras presas na garganta.
Na rua, alguns vizinhos curiosos já olhavam da janela, a pequena cidade era um viveiro de coscuvilhices.
No dia seguinte, João Pedro estava no seu estúdio temporário, um pequeno espaço que alugara acima de uma loja, quando Lucas apareceu.
Ele parecia angustiado, os seus olhos vermelhos.
"João Pedro, por favor, volta para a Isabela, ela está a sofrer, ela ama-te."
João Pedro olhou para ele com desprezo.
"Poupa-me do teu teatro."
"Não é teatro," insistiu Lucas, aproximando-se, "Eu sei que estás zangado comigo, e tens razão, eu não devia ter aceitado a ajuda dela, mas eu não consegui evitar, ela é tão... boa."
Ele fez uma pausa dramática.
"Naquela noite, depois de saíres, ela estava tão triste, a chorar, eu tentei consolá-la e... nós beijámo-nos."
A confissão foi feita com uma falsa relutância, desenhada para causar o máximo de dor.
E causou.
João Pedro sentiu o sangue a fugir-lhe do rosto.
"Sai daqui," disse ele, a sua voz um sussurro.
"Eu só quero que vocês fiquem bem," disse Lucas, com uma sinceridade fingida, "Eu até disse a ela que sou como um irmão perdido dela, que talvez as nossas famílias se conhecessem no passado, qualquer coisa para a acalmar."
A menção de "irmão" fez João Pedro explodir.
Ele avançou, agarrando Lucas pelo colarinho.
"Tu não és nada dela!"
Era exatamente a reação que Lucas queria.
No momento em que João Pedro o empurrou, Lucas tropeçou para trás de forma exagerada, caindo sobre uma mesa de maquetes e derrubando tudo no chão com um estrondo.
Ele gritou de dor, agarrando o seu braço.
"Tu atacaste-me! Estás louco de ciúmes!"