"Eu não acredito que fizeste isto," disse ela, a sua voz a tremer de fúria, "O ciúme consumiu-te."
Ela não lhe deu oportunidade de se explicar, levou Lucas para fora, apoiando-o como se ele fosse um inválido.
João Pedro ficou sozinho no meio da desordem, o som das suas palavras a ecoar na sua cabeça.
"O ciúme consumiu-te."
Ele sentia-se vazio.
A mulher que ele amava, a mulher com quem ia casar, tinha-o julgado e condenado sem um julgamento.
Ele sentou-se, pegou no telemóvel e fez a única chamada que sabia que podia mudar tudo.
O telefone tocou duas vezes antes de uma voz forte e calorosa atender.
"João Pedro, meu filho, que surpresa boa."
Era o seu pai, o Sr. Almeida.
"Pai," a voz de João Pedro falhou por um momento, "Preciso da tua ajuda."
Houve uma pausa, e o tom do seu pai mudou, tornando-se sério.
"O que se passa?"
"O pedido de casamento... quero retirá-lo."
"Isabela?" perguntou o Sr. Almeida, a sua voz cautelosa.
"Pai, eu... preciso de reavaliar tudo," disse João Pedro, sentindo um peso a ser tirado dos seus ombros só por dizer as palavras em voz alta, "Aconteceram coisas."
"Conta-me," disse o pai.
E João Pedro contou, tudo, desde o abraço no escritório até à armadilha da agressão.
Quando terminou, o silêncio do outro lado da linha era pesado.
"Filho," disse finalmente o Sr. Almeida, a sua voz dura como aço, "Eu avisei-te sobre essa cidade pequena, sobre as ambições daquela rapariga, mas tu estavas apaixonado."
"Eu sei, pai."
"Não te preocupes com nada, arruma as tuas coisas e vem para São Paulo, a tua carreira está à tua espera aqui, o teu futuro está aqui, deixa o passado para trás."
"E a queixa-crime?"
"Deixa isso comigo e com os meus advogados, em poucas horas, isso será apenas uma má memória."
Ao desligar, João Pedro sentiu uma onda de alívio, um novo começo.
Ele iria para São Paulo, mas primeiro, havia uma última coisa a fazer.
Ele voltou para a casa que partilhava com Isabela para buscar o resto das suas roupas.
A porta estava aberta.
Ele entrou e encontrou Isabela na sala de estar, de braços cruzados.
Lucas estava deitado no sofá, que por acaso era a cama de João Pedro, com uma ligadura no braço e uma expressão de dor.
"Vieste pedir desculpa?" perguntou Isabela, a sua voz gélida.
A atenção dela estava totalmente em Lucas, a ajeitar-lhe a almofada.
João Pedro olhou para a cena, o homem que lhe roubara a noiva e a vida deitado na sua cama, a ser cuidado por ela.
Ele sentiu uma calma fria apossar-se de si.
"Não."
"Então o que queres?" ela perguntou, irritada.
"Vim buscar as minhas coisas."
"Não antes de pedires desculpa ao Lucas," insistiu ela, "Olha o que fizeste! Ele podia ter partido o braço!"
"Eu não lhe toquei," disse João Pedro, a sua voz firme, "E não vou ser difamado."
Isabela riu, um som amargo.
"Claro que não, tu és João Pedro, o filho do grande Sr. Almeida, achas que podes fazer o que queres porque tens poder e influência? És incurável, mesquinho, ciumento."
Cada palavra era uma facada.
Ele olhou para ela, para a mulher que ele pensava conhecer, e percebeu que nunca a conhecera de verdade.
Uma memória surgiu: ele, na faculdade, a vender os seus desenhos para lhe comprar um livro de direito raro que ela queria, a trabalhar noites a fio para a ajudar a montar o seu primeiro escritório.
Ele tinha sacrificado tanto por ela.
E ela estava a trocá-lo por um mentiroso.
"Isabela," disse ele, a sua voz desprovida de emoção, "Acabou, estamos terminados."
Ela olhou para ele, surpresa e depois desdenhosa.
"Terminados? Achas que me podes descartar assim? Depois de tudo o que fiz por ti?"
"O que fizeste por mim?" ele repetiu, incrédulo.
Lucas, do sofá, interveio, a sua voz a tremer.
"João Pedro, não vás, a Isabela ama-te, ela só está confusa."
Isabela afastou-o com um gesto.
"Cala-te, Lucas, não vês o mal que ele te fez?"
Ela voltou-se para Lucas com uma ternura que fez o estômago de João Pedro revirar.
Ele terminou de fazer as malas em silêncio e dirigiu-se para a porta, sem olhar para trás.