O nosso amor era um escândalo à espera de acontecer.
A família dele, os poderosos Albuquerque, descobriram-nos, a sua mãe, uma mulher com um olhar mais frio que a geada de inverno no Douro, deu-lhe um ultimato, a sua voz cortante como vidro partido.
"Queres essa mulher? Então dá-nos um herdeiro, garante a sucessão com a mulher que escolhemos para ti, Sofia Castelo Branco, só depois de cumprires o teu dever, poderás ter os teus caprichos."
Duarte aceitou, ele chamou-lhe um pacto, um sacrifício temporário, eu chamei-lhe o início do fim.
Ele casou com Sofia, a filha de um banqueiro, uma mulher que parecia feita de porcelana e seda, mas cujo sorriso nunca chegava aos olhos.
E a mim, ele pedia para esperar.
"É só por um tempo, Lúcia, até o bebé nascer, depois serei livre, seremos livres."
Eu acreditei, porque o amor nos torna tolos.
A primeira filha deles nasceu, uma menina frágil chamada Leonor, e o meu inferno começou.
Numa das raras visitas que me permitiam fazer à quinta, para ver Duarte de longe, Sofia aproximou-se de mim, o seu sorriso era doce, mas os seus olhos eram duros.
"Lúcia, que bom ver-te, a Leonor está ali, queres dar-lhe um beijo?"
Hesitante, aproximei-me do berço, a bebé era pequena, com a pele rosada, toquei-lhe na mão com a ponta do dedo, um gesto inocente.
Horas mais tarde, o caos instalou-se, a bebé estava com falta de ar, o seu corpo coberto de manchas vermelhas, uma reação alérgica grave.
Sofia gritou, apontando para mim, as lágrimas a escorrerem pelo seu rosto perfeito.
"Foi ela! Eu vi-a a dar algo à bebé! Ela tentou matar a minha filha!"
Ninguém me ouviu, ninguém quis ouvir, Duarte olhou para mim, não com amor, mas com uma frieza que me gelou a alma, a sua voz era um chicote.
"Como pudeste?"
O meu castigo foi rápido e brutal, os pais dele ordenaram que eu fosse trancada na adega, um lugar frio e húmido onde o cheiro a mofo e a vinho velho se misturava com o meu desespero.
Passei a noite no escuro, o frio a entrar-me nos ossos, mas o que mais me doía era o frio no olhar de Duarte, o abandono.
Quando a porta se abriu de manhã, foi a mãe dele que apareceu, o seu rosto uma máscara de desprezo.
"Devias estar grata, isto é apenas uma pequena lição, da próxima vez, as consequências serão piores."
Eu não disse nada, a minha voz tinha desaparecido, engolida pela humilhação.
Decidi que não podia mais esperar, esta vida de sombras e mentiras estava a matar-me.
Contactei a mãe de Duarte, a minha voz firme, apesar do tremor no meu coração.
"Eu vou-me embora, mas preciso da vossa ajuda para desaparecer, para um lugar onde ele nunca me encontre."
Ela riu, um som seco e sem alegria.
"Finalmente ganhaste juízo, achas que o meu filho alguma vez te levaria a sério? Tu és um divertimento, uma distração, nada mais."
As suas palavras eram cruéis, mas eram a verdade.
Antes de partir, eu tinha de o ver uma última vez, precisava de ouvir da sua boca que tudo tinha acabado.
Encontrei-o nos jardins da quinta, ele estava a empurrar o carrinho de bebé, com Sofia ao seu lado, eles pareciam a família perfeita, a imagem que os pais dele sempre quiseram.
Ele viu-me e a sua expressão endureceu, a desconfiança substituiu qualquer calor que pudesse ter restado.
"O que estás aqui a fazer? A Leonor ainda está a recuperar."
Foi então que o vi, pendurado no pescoço de Sofia, brilhando contra a sua pele pálida.
O meu Coração de Viana.
A única herança da minha mãe.
Duarte tinha-mo pedido, dizendo que o guardaria em segurança, longe dos olhos curiosos da sua família, mas ele não o guardou, ele deu-o a ela, como um prémio, uma compensação.
O ar abandonou os meus pulmões, uma raiva cega apoderou-se de mim.
"Isso é meu!", gritei, a minha voz rouca de dor e traição.
Avancei para Sofia, as minhas mãos estendidas para recuperar o que era meu por direito.
Ela recuou, um grito agudo a escapar dos seus lábios, e tropeçou deliberadamente, caindo no chão de uma forma teatral.
"Ai, a minha barriga! O bebé!", gritou ela, as mãos a protegerem o seu ventre ligeiramente saliente.
A sua segunda gravidez.
Ninguém me tinha dito.
Duarte não olhou para mim, a sua fúria era um vulcão em erupção, ele empurrou-me com uma força brutal, a minha cabeça bateu contra a parede de pedra do jardim, a dor explodiu atrás dos meus olhos.
Ele não se importou, não olhou para trás, correu para Sofia, levantou-a nos seus braços e levou-a em direção ao carro, gritando ordens para a levar a uma clínica privada no Porto.
Deixou-me ali, caída no chão, a sangrar, com o coração partido em mais pedaços do que eu sabia ser possível.
O meu Coração de Viana estava quebrado, e a minha alma também.