Ele aparecia na praia todos os dias, com flores, com promessas, com um sorriso que podia derreter o gelo do Ártico, ele aprendeu a apanhar marisco só para passar tempo comigo, as suas mãos macias e cuidadas ficaram cheias de cortes e calos, mas ele não se importava.
Uma vez, para me impressionar, ele escalou uma falésia perigosa para apanhar uma flor rara que eu tinha mencionado, ele escorregou e caiu, partindo um braço.
Recusei-me a vê-lo no hospital, sentia-me culpada, mas ele apareceu à minha porta no dia seguinte, o braço engessado, um sorriso parvo no rosto.
"Faria tudo de novo, Lúcia, só para te ver sorrir."
Foi nesse dia que o meu coração se rendeu, ele tinha sacrificado a sua segurança por um capricho meu, como poderia eu não o amar?
Ele cuidava de mim com uma devoção quase sufocante, se eu tossia, ele trazia-me chás e cobertores, se eu me cortava num rochedo, ele entrava em pânico, limpando a ferida como se fosse uma questão de vida ou de morte.
"És tão frágil, minha Lúcia, tenho de te proteger."
Agora, a sua proteção era para outra mulher, a sua devoção pertencia a outra família.
Com o corpo a doer, levantei-me, a vertigem a ameaçar derrubar-me, ignorei-a e caminhei, passo a passo, até ao pequeno posto de saúde da vila.
A enfermeira olhou para a minha ferida com preocupação.
"Isto precisa de pontos, o que aconteceu?"
"Eu caí", menti, a vergonha a queimar-me a garganta.
Enquanto ela tratava da minha ferida, o meu telemóvel tocou, era ele.
Atendi, uma parte estúpida de mim ainda à espera de um pedido de desculpas.
A sua voz era fria, dura.
"Onde estás? Fui informado de que foste a um posto de saúde, estás bem?"
Não havia preocupação na sua voz, apenas irritação.
"Estou bem", respondi, a minha voz um fio.
"A Sofia está bem, o bebé está bem, foi só um susto, mas podias tê-la magoado a sério, Lúcia, o que se passa contigo? Porque é que tens de causar sempre problemas?"
A injustiça da sua acusação roubou-me o fôlego, ele não acreditava em mim, ele escolheu acreditar nela.
"Eu não fiz nada, ela fingiu."
"Para com isso, Lúcia, eu vi o que vi, por favor, não tornes as coisas mais difíceis."
Desliguei a chamada, não conseguia ouvir mais, a ferida na minha cabeça latejava, mas a ferida no meu coração era insuportável.
Mais tarde, ele apareceu no pequeno quarto que eu alugava, o seu rosto cansado, os seus ombros curvados.
"Lúcia, eu..."
Ele não sabia o que dizer, as palavras pareciam presas na sua garganta.
"Eu sei que estás magoada, mas tens de entender, a minha família... a Sofia... é complicado."
"Pedi-te para esperar", sussurrou ele, a sua frase de sempre, a sua desculpa esfarrapada. "Espera só mais um pouco, quando o segundo bebé nascer, serei livre, eu prometo."
Olhei para ele, para o homem que eu amava, e pela primeira vez, vi-o como ele realmente era, fraco, um prisioneiro da sua própria herança, um covarde.
"Não", disse eu, a minha voz surpreendentemente forte. "Eu não vou esperar mais, acabou, Duarte."
A sua expressão mudou, o desespero substituiu a exaustão.
"Não digas isso, Lúcia, não podes fazer-me isto, eu amo-te."
As suas palavras eram vazias, ocas, como uma concha na praia, bonita por fora, mas sem vida por dentro.
Percebi, com uma clareza dolorosa, que não havia retorno, o nosso amor tinha sido construído sobre uma fundação de areia, e a maré da realidade tinha-a levado para sempre.