Deixei de sentir, a dor era tão constante que se tornou o meu estado natural, um zumbido baixo no fundo da minha alma.
Um dia, recebi uma mensagem dela que me fez parar de respirar.
"Se queres o teu pendente de volta, vem à festa de noivado que os pais do Duarte estão a dar, estarei à tua espera junto ao lago."
O Coração de Viana, o meu último elo com a minha mãe, era a isca, e eu, como uma tola, mordi-a.
Fui à festa, sentindo-me deslocada no meio de tanta riqueza e poder, os vestidos de seda e os fatos caros roçavam em mim, os olhares curiosos seguiam-me como abutres.
Encontrei-a junto ao lago, como ela disse, o pendente brilhava ao seu pescoço, uma provocação cruel.
"Então vieste", disse ela, com um sorriso vitorioso. "Sabia que não resistirias."
"Dá-me o pendente, Sofia."
"Ajoelha-te", disse ela, a sua voz baixa e cheia de veneno. "Ajoelha-te e pede-me desculpa por tentares destruir a minha família, talvez, se fores suficientemente convincente, eu te devolva este pedaço de lixo."
A humilhação era um nó na minha garganta, mas o desespero era mais forte, olhei para o pendente, para a memória da minha mãe, e lentamente, dobrei os joelhos.
"Por favor", sussurrei, as palavras a arranharem a minha garganta.
Ela riu, um som feio que quebrou a beleza da noite.
Com um movimento rápido, ela arrancou o pendente do pescoço, segurou-o por um momento, e depois, com uma crueldade deliberada, atirou-o contra uma rocha.
O som do metal a partir-se foi o som do meu coração a estilhaçar-se para sempre.
"Ops", disse ela, com uma falsa inocência.
No momento seguinte, a sua filha Leonor, que estava a brincar por perto, tropeçou e caiu, começando a chorar.
Sofia correu para a menina, mas em vez de a confortar, virou-se para mim, o seu rosto contorcido numa máscara de fúria.
"O que lhe fizeste? Empurraste-a! Estás a tentar magoar a minha filha outra vez!"
Foi nesse preciso momento que Duarte e os seus pais apareceram, atraídos pelos gritos.
Eles viram-me de joelhos, viram o pendente partido no chão, viram a criança a chorar e Sofia a acusar-me.
A cena estava montada, e eu era a vilã.
O pai de Duarte, um homem imponente com um temperamento feroz, não hesitou, ele caminhou até mim e deu-me uma bofetada, a força do golpe atirou-me para o lado.
"Sua vadia imunda! Como te atreves a tocar na minha neta?"
A sua mãe observava, os seus olhos frios como gelo.
"Levem-na para a adega outra vez, desta vez, certifiquem-se de que ela aprende a lição."
Procurei o olhar de Duarte, uma última e desesperada tentativa de encontrar um vislumbre de salvação, ele olhou para mim, a sua expressão uma mistura de dor e conflito, por um segundo, pensei que ele ia intervir.
Mas depois, ele desviou o olhar, virou-me as costas.
Essa foi a traição final.
Um riso amargo e quebrado escapou dos meus lábios, eu ri da minha própria estupidez, da minha ingenuidade, por acreditar que o amor podia conquistar tudo.
Dois empregados agarraram-me pelos braços e arrastaram-me em direção à adega, as promessas de Duarte ecoavam na minha mente, "Espera só mais um pouco", "Eu amo-te, Lúcia".
Mentiras. Tudo mentiras.
A porta da adega fechou-se com um baque surdo, mergulhando-me na escuridão e no frio.
Desta vez, a dor física era esmagadora, a minha bochecha ardia, o meu corpo doía, mas era a dor da traição que me consumia.
O frio, a escuridão, a dor... tudo se misturou num turbilhão avassalador, e eu perdi a consciência, acolhendo o esquecimento como um velho amigo.