Sofia tentou sentar-se, mas a dor era demasiada. Tentou alcançar o copo de água na mesa de cabeceira, desequilibrou-se e caiu da cama, batendo com força no chão. O ferimento da cirurgia latejou com violência.
A porta abriu-se e Tiago entrou. Viu-a no chão, a contorcer-se de dor. Por um instante, viu um brilho de preocupação nos seus olhos, um movimento quase impercetível para a ajudar.
Mas desapareceu tão depressa como veio. Ele encostou-se ao umbral da porta, os braços cruzados.
"Levanta-te."
Sofia tentou, mas não conseguiu. As lágrimas de dor e frustração escorriam-lhe pelo rosto.
Ele observou-a, o rosto novamente uma máscara de frieza.
"Achas que isto acaba aqui, Sofia? Achas que um rim paga a tua dívida? Não. Isto é só o começo. Vou manter-te viva, sim. Viva para que possas sofrer cada dia o que eu sofri."
Ricardo, o seu leal assistente, que o seguira até ao hospital, apareceu atrás dele.
"Senhor Monteiro," disse Ricardo, a voz hesitante. "Os pais dela já pagaram com a vida. Não acha que já chega?"
Tiago virou-se para ele, os olhos injetados. "Chega? E a mim? Alguém me 'deixou ir'? Enquanto eu não for 'deixado ir', ela também não será."
Ele voltou a olhar para Sofia, que finalmente conseguira arrastar-se de volta para a cama.
Nos dias seguintes, Sofia permaneceu isolada no quarto de hospital. Tiago não voltou a aparecer.
Uma tarde, o seu telemóvel vibrou. Uma mensagem de um número desconhecido.
Era uma fotografia. Clara, sorridente, na cama do hospital, a usar uma pulseira de filigrana em ouro. A pulseira da mãe de Sofia, a única joia de valor que lhe restara.
O sangue de Sofia ferveu. Ignorando a dor, levantou-se e, cambaleando, foi até ao quarto de Clara, que ficava no mesmo corredor.
Entrou sem bater. Clara estava sentada na cama, a folhear uma revista. Sorriu ao ver Sofia.
"O que queres, Sofia? Vieste agradecer-me por te dar a oportunidade de expiar um pouco da tua culpa?"
"A pulseira," disse Sofia, a voz a tremer de raiva. "Devolve-me a pulseira da minha mãe."
Clara riu. "Esta? Foi o Tiago que ma deu. Disse que me ficava bem. Disse que eu parecia contigo, nos teus tempos mais felizes, quando a usavas."
A provocação era intencional, cruel.
"Por favor, Clara. É a única coisa que me resta dela. Eu dou-te o que quiseres."
Os olhos de Clara brilharam. "O que eu quiser? Então quero o teu lugar. Quero ser a Senhora Monteiro. Legalmente."
Sofia hesitou por um instante. O seu lugar? Já não significava nada.
"Sim," disse ela. "Fica com ele. Mas devolve-me a pulseira."
Nesse momento, Tiago entrou no quarto. Viu a tensão entre as duas mulheres.
"O que se passa aqui?"
"A Sofia," disse Clara, com um ar inocente, "está a tentar roubar-me a pulseira que me deste."
Os olhos de Tiago fixaram-se em Sofia, cheios de fúria.
"Então é isso? Uma pulseira vale mais para ti do que o teu estatuto? Mais do que o teu nome?"
Ele arrancou a pulseira do braço de Clara. "Queres tanto esta porcaria? Vou destruir tudo o que te ligue aos teus pais, tudo o que te traga qualquer conforto!"
Ele caminhou até à janela do quarto, que dava para um pequeno pátio interior, vários andares abaixo. Abriu-a e ameaçou atirar a pulseira.
"Não, Tiago! Por favor!" Sofia correu na sua direção, desesperada.
Tentou agarrar-lhe o braço, mas ele desviou-se. Sofia desequilibrou-se, o seu corpo projetado em direção à janela aberta. Agarrou-se ao parapeito, as pernas a balançar no vazio.
A pulseira escapou da mão de Tiago e caiu, estilhaçando-se no cimento lá em baixo.
Sofia viu-a partir-se e um grito de desespero escapou-lhe. As suas mãos escorregaram.
Ela caiu.
Ouviu o grito de Tiago, um som estrangulado, cheio de pânico. Viu o seu rosto contorcido de horror enquanto ele se debruçava na janela.
Por um instante fugaz, antes de a escuridão a engolir, viu nos olhos dele não o ódio, mas o medo. O medo de a perder.
Uma pequena, dolorosa esperança acendeu-se no seu peito.
Quando acordou, estava novamente numa cama de hospital, o corpo coberto de dores e ligaduras. Ouviu médicos a discutir o seu estado. Múltiplas fraturas, hemorragia interna. Um milagre ela estar viva.
Tiago estava à porta, a observá-la. Quando os seus olhos se encontraram, a máscara de frieza regressou.
"Vês, Sofia? Nem a morte te quer. Mas não te preocupes. Eu quero-te viva. Viva para que eu possa continuar a fazer-te pagar."
A pequena esperança morreu.
"O nosso destino, Sofia," disse ele, a voz baixa e carregada de uma emoção sombria, "é o ódio eterno."
Sofia fechou os olhos. Que seja, pensou. Que a morte venha. Estou pronta.