O Naufrágio da Minha Alma
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Capítulo 2

Duarte partiu para Lisboa nessa mesma noite, para estar ao lado de Sofia.

Deixou-me para trás na quinta do Douro, um fantasma na minha própria casa.

As semanas que se seguiram foram um exercício de isolamento. Os empregados, por ordem dele, tratavam-me com uma cortesia fria e distante. As refeições eram-me servidas no quarto.

Passei os dias a vaguear pelas vinhas, as mesmas vinhas que ele vendera para me salvar na nossa outra vida. Agora, elas pareciam zombar de mim, testemunhas silenciosas da sua crueldade presente.

A minha resolução de me divorciar solidificou-se. O amor que eu sentia por ele, renascido das cinzas do seu sacrifício, estava a ser sistematicamente destruído pela sua vingança. Eu não podia viver assim.

Comecei a preparar a minha partida. Esvaziei o meu closet, separando as roupas e joias que ele me tinha dado. Coloquei tudo em caixas. Não queria nada que viesse dele. A única coisa que eu levaria seria a minha liberdade.

Uma tarde, enquanto navegava distraidamente pelas redes sociais, uma fotografia fez o meu coração parar.

Era do perfil de Sofia. Uma fotografia dela e de Duarte num restaurante caro em Lisboa. Ele estava a limpar um pouco de molho do canto da boca dela com o polegar.

O meu estômago revirou-se.

Era um gesto que ele costumava fazer comigo. Um pequeno ato de intimidade que me pertencia. Ver aquilo, replicado com ela, foi como uma facada.

Ele não estava apenas a ser cruel. Estava a apagar-me, a substituir cada memória nossa com uma nova memória com ela.

Fechei o portátil com força. Chega.

No dia seguinte, viajei para o Porto, para o escritório principal das Empresas Moreno. O seu assistente, um homem chamado Miguel, recebeu-me com uma surpresa mal disfarçada.

"Dona Leonor. O senhor Moreno não está."

"Eu sei," respondi, a minha voz mais firme do que me sentia. "Vim entregar isto."

Coloquei uma pasta na sua secretária. Continha os papéis do divórcio assinados por mim, juntamente com uma lista de todos os bens que eu abdicava.

Miguel olhou para a pasta, desconfortável.

"Eu... eu informarei o senhor Moreno."

Quando me virei para sair, a porta do escritório de Duarte abriu-se. E ele estava lá. Ao seu lado, Sofia, com um sorriso triunfante.

O meu coração afundou-se. Ele tinha voltado e não me tinha dito.

Mas o pior estava para vir.

Duarte estava a pentear o cabelo de Sofia com os dedos, um gesto lento e terno. A luz do final da tarde entrava pela janela, iluminando-os, fazendo-os parecer um casal saído de uma pintura romântica.

Era exatamente como ele fazia comigo, na nossa vida passada, nas manhãs preguiçosas de domingo.

A dor foi tão aguda, tão avassaladora, que tive de me agarrar à ombreira da porta para não cair.

Os nossos olhares cruzaram-se por cima da cabeça de Sofia. O dele era frio, desafiador. O meu devia mostrar toda a devastação que eu sentia.

Ele não disse nada. Apenas continuou a passar os dedos pelo cabelo dela, um sorriso subtil a brincar nos seus lábios.

Era a sua resposta. Era a sua vitória.

Saí do escritório sem dizer mais uma palavra, as lágrimas a queimarem-me os olhos.

Uma semana depois, Miguel ligou-me.

"Dona Leonor, o senhor Moreno assinou a sua cópia dos papéis. Devo enviá-los por correio?"

"Sim, por favor," consegui dizer, a voz embargada.

Um misto de alívio e uma tristeza profunda apoderou-se de mim. Estava quase a acabar.

Mas o destino tinha outros planos.

"Há um pequeno detalhe," continuou Miguel, hesitante. "Devido à natureza do vosso acordo pré-nupcial e aos ativos envolvidos, a lei exige um período de reflexão obrigatório de três meses antes de o divórcio poder ser finalizado pelo tribunal."

Três meses.

Teria de suportar mais três meses disto. A ideia era sufocante.

Nessa mesma tarde, recebi uma chamada de um número desconhecido. Atendi com relutância.

"Leonor? Sou eu, a Sofia."

A sua voz era doce, quase inocente.

"O que queres?" perguntei, friamente.

"Eu sei que as coisas entre nós não começaram bem," disse ela, "mas eu gostava muito que fôssemos amigas. O Duarte vai ser homenageado num baile de caridade em Sintra no próximo fim de semana. É muito importante para ele. Eu gostava que viesses."

A audácia dela deixou-me sem palavras. Ela queria que eu assistisse à sua parada triunfal ao lado do meu marido?

"Não, obrigada," respondi e preparei-me para desligar.

"Leonor, espera!" A sua voz tornou-se suplicante. "Por favor. Significa muito para o Duarte."

Antes que eu pudesse responder, ouvi a voz de Duarte ao fundo, e depois ele pegou no telefone.

A sua voz era um chicote.

"Vais. Vais estar lá, ao meu lado, como a minha mulher. E vais sorrir. Entendido?"

Não era um pedido. Era uma ordem.

"Porquê, Duarte? Para me humilhares mais um pouco?"

"Porque eu mando," disse ele, a sua voz gélida. "E porque se não o fizeres, garanto-te que a tua família sentirá as consequências. A empresa deles ainda está nas minhas mãos. Não te esqueças disso."

A ameaça pairou no ar, feia e inegável.

Eu estava presa.

"Estarei lá," disse eu, a resignação a pesar na minha voz como uma pedra.

Ele desligou sem se despedir.

            
            

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