Acordei num quarto de hospital branco e estéril. O cheiro a desinfetante enchia o ar.
Uma enfermeira estava a ajustar o meu soro.
"Olá. A senhora deu-nos um bom susto," disse ela com um sorriso simpático. "Teve uma infeção bacteriana grave. A febre estava quase nos 41 graus. Mais umas horas e podia ter sido muito perigoso."
Assenti com a cabeça, a garganta demasiado seca para falar.
Ela deu-me um copo de água.
"O seu marido e a sua sogra estão lá fora. Parecem muito preocupados."
Preocupados. A palavra soou estranha.
"Pode mandá-los entrar," disse eu, com a voz rouca.
Mateus e Helena entraram no quarto. Nenhum deles parecia preocupado. Pareciam zangados.
Helena foi a primeira a falar, a sua voz era um sussurro agudo.
"Que vergonha, Clara! Chamar uma ambulância por causa de uma febrezinha? Sabes o escândalo que isto causou na vizinhança?"
Mateus ficou de braços cruzados perto da porta, o seu rosto era uma máscara de irritação.
"Eu disse-te para tomares um comprimido. Em vez disso, fazes esta cena toda. Tive de deixar a Sofia sozinha, ela estava a ter um ataque de pânico por causa do gato."
Olhei de um para o outro. Não havia um pingo de preocupação nos olhos deles. Apenas acusação.
"Uma infeção bacteriana grave," disse eu, a minha voz a ganhar um pouco de força. "Foi o que a enfermeira disse. Podia ter morrido."
Helena riu-se, um som desagradável.
"Oh, por favor. Os médicos exageram sempre. Estás a tentar chamar a atenção, é o que é. Sempre foste assim, carente."
Virei o meu rosto para Mateus.
"Eu liguei-te. Pedi ajuda. Preferiste ficar a cuidar de um gato."
"Não era só o gato!" ele defendeu-se, levantando a voz. "A Sofia precisava de apoio emocional! Tu não entendes nada de empatia?"
Empatia.
Lentamente, com a mão a tremer, peguei no meu telemóvel da mesa de cabeceira.
Abri o contacto do meu advogado. Tinha-o guardado há meses, para o caso de precisar.
"Mateus," disse eu, com a voz calma e fria. "Eu quero o divórcio."
O silêncio no quarto foi pesado.
Helena arfou.
Mateus olhou para mim como se eu tivesse acabado de lhe cuspir na cara.
"Divórcio? Ficaste louca? Por causa disto? Porque eu não corri para casa por causa de uma dor de cabeça?"
"Não foi uma dor de cabeça," corrigi-o. "E não é só por causa disto. É por causa de tudo."
"Estás a ser ridícula," disse ele, aproximando-se da cama. "Nós vamos para casa, vais descansar, e vais esquecer esta estupidez."
"Não," disse eu, olhando-o diretamente nos olhos. "Eu não vou para casa contigo. Nunca mais."