A raiva no rosto de Mateus transformou-se em desprezo.
"Tu não tens nada, Clara. Onde é que vais viver? O que é que vais fazer? Esta casa é da minha família. O carro está em meu nome."
Helena juntou-se a ele, com um sorriso vitorioso.
"Ele tem razão. Vais acabar na rua. Vais voltar a rastejar para nós dentro de uma semana."
Senti um cansaço profundo, não do corpo, mas da alma. Anos a ouvir isto. Anos a sentir-me pequena, inútil.
"Isso é o que vamos ver," respondi calmamente.
Mateus abanou a cabeça, como se estivesse a lidar com uma criança birrenta.
"Ouve, eu até posso admitir que talvez devesse ter vindo para casa mais cedo. Mas pedir o divórcio? Isso é um exagero. A Sofia é só uma amiga. Uma amiga que está a passar por um momento difícil."
"O divórcio dela foi há dois anos, Mateus," disse eu. "Ela não está a passar por um momento difícil. Ela está a viver a vida dela, à tua custa."
"Que estás a insinuar?" a voz dele ficou mais dura.
"Não estou a insinuar nada. Estou a afirmar."
Tirei um envelope do fundo da minha mala, que a enfermeira tinha trazido com as minhas coisas. Entreguei-o a Mateus.
Ele abriu-o com desconfiança. Dentro estavam extratos bancários.
"O que é isto?" perguntou ele, mas a sua voz vacilou ao ver os papéis.
"É o extrato da nossa conta conjunta," expliquei. "E estes são os pagamentos para a renda do apartamento da Sofia. E para o carro dela. E para as férias dela no Algarve no mês passado. As férias para as quais tu disseste que tinhas de ir por causa de uma 'conferência de trabalho'."
O rosto de Mateus ficou pálido. Helena olhou para os papéis por cima do ombro dele, a sua boca abriu-se, mas não saiu som nenhum.
"Eu... eu estava apenas a ajudá-la. Ela ia pagar-me de volta," gaguejou ele.
"Ela não trabalha, Mateus. Como é que ela te ia pagar?"
Ele não respondeu. O silêncio era a sua confissão.
"Tu usaste o nosso dinheiro, o dinheiro que eu herdei do meu pai, para sustentar a tua amante," disse eu, cada palavra clara e precisa. "Enquanto eu ficava em casa a pensar que estávamos a poupar para o nosso futuro."
Helena finalmente encontrou a sua voz.
"Sua víbora! Estás a acusar o meu filho? Ele é um bom homem! Ela deve tê-lo seduzido!"
Ignorei-a. O meu foco estava em Mateus.
"Acabou," disse eu. "Pega nos teus papéis e sai do meu quarto. O meu advogado entrará em contacto contigo."
Mateus olhou para mim, uma mistura de choque e fúria nos seus olhos. Ele não estava habituado a que eu o confrontasse. Ele não estava habituado a que eu tivesse provas.
Ele amassou os papéis na mão e atirou-os para o chão.
"Vais arrepender-te disto, Clara."
"Não," respondi. "O meu único arrependimento é não o ter feito há mais tempo."
Ele e a mãe saíram do quarto, batendo a porta com força.
Fiquei sozinha outra vez. Mas desta vez, o silêncio não era opressor.
Era o som da liberdade.