Quando o Peão Se Vinga
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Capítulo 1

O som dos pneus a chiar no asfalto molhado foi a última coisa que ouvi antes de tudo ficar escuro.

Quando acordei, o cheiro de desinfetante invadiu as minhas narinas, e uma dor surda pulsava por todo o meu corpo, concentrando-se na minha barriga.

Uma enfermeira viu que eu estava acordada e aproximou-se.

"Como se sente?"

"Onde está o meu marido? O Pedro?" A minha voz saiu rouca. "Ele estava comigo no carro."

"O seu marido está bem, só alguns arranhões," disse ela, com uma calma profissional. "Ele está lá fora."

Senti um alívio momentâneo, mas a dor na minha barriga era um lembrete terrível. O nosso bebé.

Forcei-me a sentar, ignorando os protestos da enfermeira. Precisava de ver o Pedro, precisava de saber que o nosso filho estava bem.

Saí do quarto, apoiando-me nas paredes do corredor.

Encontrei o Pedro na sala de espera.

Mas ele não estava sozinho.

Ele segurava a Sofia, a minha meia-irmã, que chorava histericamente nos seus braços. Ele passava-lhe a mão pelo cabelo, sussurrando palavras de conforto.

"Calma, Sofi, já passou. Eu estou aqui."

A Sofia nem sequer estava no acidente, ela estava em casa, a quilómetros de distância. O acidente aconteceu porque o Pedro se distraiu a discutir comigo ao telemóvel, insistindo que tínhamos de ir imediatamente acalmá-la por causa de uma briga com o namorado dela.

Ele viu-me, mas o seu olhar foi breve, quase irritado, antes de voltar a sua atenção para a Sofia.

Naquele momento, um médico aproximou-se de mim. O seu rosto era uma máscara de compaixão profissional.

"Senhora Matos, sou o Dr. Almeida."

Olhei para ele, depois para o meu marido a consolar outra mulher, e de volta para o médico. Um medo gelado começou a subir pela minha espinha.

"O bebé... o nosso filho está bem?"

O Dr. Almeida hesitou, o seu silêncio foi mais alto do que qualquer palavra.

"Devido ao trauma do impacto... fizemos tudo o que podíamos," disse ele, suavemente. "Lamento imenso, mas perdemos o bebé."

O mundo à minha volta ficou em silêncio. O choro da Sofia, a voz do Pedro, tudo desapareceu. A única coisa que eu sentia era um vazio imenso a abrir-se no meu peito, no lugar onde o meu filho esteve há poucas horas.

As minhas pernas cederam.

O médico amparou-me, mas eu só conseguia olhar para o Pedro. Ele finalmente pareceu notar a gravidade da situação e afastou a Sofia.

"Lia! O que se passa?"

A sua pergunta era tão estúpida, tão deslocada, que uma gargalhada amarga escapou dos meus lábios.

"O que se passa, Pedro?" repeti, a minha voz a tremer. "Passa-se que o nosso filho morreu, enquanto tu estavas aqui a consolar a tua 'irmãzinha'."

            
            

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