Recebi alta do hospital dois dias depois. O Pedro não apareceu. A minha mãe levou-me para casa, a casa que eu partilhava com ele.
Entrar foi como entrar num mausoléu. Tudo estava silencioso e frio. O quarto do bebé, que tínhamos passado meses a decorar, estava com a porta fechada. Eu não conseguia olhar para lá.
A minha mãe ajudou-me a instalar-me no quarto de hóspedes.
"Fico aqui contigo esta noite," disse ela.
"Não precisas, mãe. Eu fico bem."
"Lia, não sejas teimosa."
Acabei por ceder. Eu não queria ficar sozinha.
Naquela noite, não consegui dormir. Levantei-me e vagueei pela casa silenciosa. Fui até ao nosso escritório e abri o portátil do Pedro. Não sei o que procurava. Confirmação, talvez.
Não precisei de procurar muito. O histórico de mensagens estava aberto.
Conversas com a Sofia. Centenas delas. Não eram conversas de "irmãos". Eram cheias de "amo-te", "sinto a tua falta", "mal posso esperar para estar contigo sem ela por perto".
Havia planos. Planos para depois do nascimento do bebé. Ele ia dizer-me que precisava de "espaço", que o stress de um recém-nascido o estava a afetar. Ia passar mais tempo "a trabalhar até tarde". Na verdade, ia estar com ela.
O meu filho seria a desculpa dele para me trair mais livremente.
Fechei o portátil, sentindo-me completamente vazia. Não havia dor, não havia raiva. Apenas um vazio gelado. A traição era tão profunda, tão calculada, que transcendia a emoção.
Comecei a fazer as malas. De forma metódica, silenciosa. Roupas, livros, os poucos objetos pessoais que realmente me pertenciam. Não toquei em nada que ele me tivesse dado.
Encontrei uma caixa de fotografias antigas. Nós no início do nosso namoro, a sorrir. No nosso casamento. Numa viagem a Itália. Parecíamos felizes.
Lembrei-me de uma vez, há uns dois anos. Tínhamos um jantar importante para o meu aniversário. Na última hora, a Sofia ligou a chorar porque o seu gato tinha fugido. O Pedro cancelou o nosso jantar para passar a noite a procurar o gato com ela.
Eu perdoei-o. Ele disse que eu era a mulher da vida dele, que a Sofia era apenas família e estava a passar por uma fase difícil.
Eu acreditei. Fui uma tola.
Peguei na caixa de fotografias e deitei-a no lixo.
O passado não existia mais.