Passei o dia seguinte sozinha. Tiago não voltou. Não ligou.
Apenas recebi uma mensagem de texto.
"A Sofia está traumatizada. Precisa de mim. Falo contigo amanhã."
Li a mensagem dez vezes. Cada palavra era uma bofetada. Ele não perguntou pelo nosso filho. Não perguntou como eu estava.
A enfermeira ajudou-me a levantar para ir à casa de banho. Cada passo era uma agonia. Vi o meu reflexo no espelho. Estava pálida, com olheiras fundas. Parecia uma estranha.
Mais tarde, o médico que me operou, o Dr. Miguel, veio ver-me. Ele tinha um sorriso gentil.
"Como se sente, Clara?"
"Dorida", admiti.
"É normal. Foi uma cirurgia complicada. Tivemos sorte em conseguir o sangue a tempo. O seu tipo sanguíneo é muito raro."
Ele olhou para a minha ficha.
"O seu marido é o Dr. Tiago, correto? O cirurgião."
"Sim."
Houve uma pausa. O Dr. Miguel parecia hesitante.
"É um excelente cirurgião. Mas fiquei... surpreendido com a chamada dele. A urgência da irmã dele não parecia justificar deixar uma cesariana de emergência com pré-eclâmpsia em segundo plano."
O coração bateu-me com força.
"O que quer dizer?", perguntei.
"Quero dizer que a sua vida e a do seu bebé estavam em risco iminente. Um corte na mão, mesmo que seja feio, raramente o está. A avaliação dele foi... invulgar."
Invulgar. Era uma forma educada de dizer que ele tinha feito a escolha errada. A escolha negligente.
"Posso ver o meu filho?", pedi, mudando de assunto.
"Claro. Vou mandar vir uma cadeira de rodas."
Na UCI Neonatal, o mundo parecia ter parado. O único som era o bip suave das máquinas. O meu bebé, tão pequeno, estava numa caixa de vidro, com fios ligados ao seu corpo minúsculo.
Coloquei a mão no vidro da incubadora.
"Olá, meu amor", sussurrei. "A mamã está aqui."
Ele era perfeito. As suas mãos pequenas, o seu rosto sereno. Uma onda de amor tão forte atingiu-me que me deixou sem ar. Eu faria qualquer coisa por ele.
E isso incluía tirá-lo daquela família tóxica.
Quando voltei para o quarto, Tiago e a mãe estavam à minha espera.
"Onde estiveste?", perguntou Tiago, a voz acusadora. "Não devias andar a passear."
"Fui ver o nosso filho", respondi friamente. "Algo que tu ainda não fizeste."
Helena interveio.
"Não fales assim com o teu marido! Ele tem estado a cuidar da irmã doente, que tu pareces não te importar!"
"A irmã dele não está a lutar pela vida numa incubadora", retorqui.
Tiago deu um passo em frente. O seu rosto estava sombrio.
"Chega, Clara. Esta conversa sobre o divórcio é ridícula e está a magoar a minha mãe. O nosso filho, o teu filho, precisa de um pai. Ele precisa de uma família completa. Vais deitar tudo a perder por causa de um capricho? Por causa de uma birra?"
Ele estava a usar o meu filho contra mim. A arma perfeita.
"Não é um capricho", disse eu, a voz a tremer de raiva. "É uma decisão. Tu escolheste. E não nos escolheste a nós."
"Eu escolhi salvar uma vida!", gritou ele.
"A vida dela não estava em perigo!", gritei de volta, a minha voz a ecoar no quarto. "A nossa estava!"
Helena começou a chorar.
"Vês o que fizeste? Estás a destruir a nossa família! És egoísta e cruel!"
Olhei para o rosto zangado de Tiago, para o rosto choroso da mãe dele. Eles eram um. Uma unidade. E eu estava de fora. Sempre estive.
"Eu quero o divórcio", repeti, cada palavra um prego no caixão do meu casamento. "E vou lutar pela custódia total do meu filho."