Nos dias seguintes, o hospital tornou-se o meu campo de batalha. Tiago e a mãe dele vinham todos os dias, não para me ver, mas para me pressionar.
Traziam flores que eu não queria, chocolates que eu não comia. Sentavam-se ao lado da minha cama e falavam sem parar sobre a pobre Sofia.
"Ela mal dorme", dizia Helena, com um suspiro dramático. "Acorda a gritar. O trauma foi terrível."
"O psicólogo diz que ela pode desenvolver stress pós-traumático", acrescentava Tiago, olhando para mim como se a culpa fosse minha.
Eu ficava em silêncio, a olhar para a parede. As palavras deles eram como um ruído de fundo, irritante mas distante. A minha única preocupação era o pequeno ser na incubadora.
Passei a maior parte do meu tempo na UCI Neonatal. Sentava-me ao lado do meu filho, a quem decidi chamar Lucas, e cantava para ele em voz baixa. Contava-lhe histórias sobre o mundo lá fora, sobre o sol e as árvores.
O Dr. Miguel passava por lá frequentemente. Ele nunca mencionava Tiago, mas a sua bondade era um bálsamo.
"Ele está a ficar mais forte a cada dia", disse ele um dia, a olhar para o monitor. "Os pulmões estão a desenvolver-se bem. És uma boa mãe, Clara."
As suas palavras simples fizeram-me chorar. Ninguém me tinha dito aquilo. Para a minha "família", eu era apenas uma fonte de problemas.
Um dia, recebi uma mensagem de um número desconhecido.
"Clara, é a Sofia. Desculpa por tudo isto. O Tiago estava só preocupado comigo, sabes como ele é protetor. Sempre fomos muito ligados. Espero que possas perdoá-lo. E a mim."
Senti um arrepio. Não era um pedido de desculpas. Era uma provocação. "Sempre fomos muito ligados". Ela estava a marcar o seu território. Estava a dizer-me que o laço deles era mais antigo, mais forte do que o meu.
Apaguei a mensagem.
Quando finalmente tive alta, Tiago insistiu em levar-me para casa. A nossa casa.
O caminho foi feito em silêncio. Quando entrámos, o apartamento parecia frio e estranho.
"A Sofia vai ficar connosco por uns tempos", anunciou Tiago, enquanto tirava o meu saco do carro. "Ela tem medo de ficar sozinha."
Parei na porta.
"O quê?"
Sofia apareceu na sala de estar, a usar um dos meus roupões de seda. Tinha o braço numa ligadura imaculada. Sorriu-me, um sorriso fraco e vitorioso.
"Olá, Clara. Espero que não te importes. Eu realmente preciso de apoio agora."
Olhei para Tiago. O seu rosto era uma máscara de falsa solicitude.
"Ela precisa de nós, Clara. É minha irmã."
Naquele momento, eu soube que não podia ficar. Nem mais um segundo.
"Eu não vou ficar aqui", disse eu, calmamente.
Virei-me, desci as escadas do prédio e chamei um táxi. Não olhei para trás.