A dor aguda na minha barriga acordou-me. Eram três da manhã. Olhei para o lençol e vi uma mancha escura a espalhar-se. Sangue.
O meu coração disparou. Eu estava grávida de nove meses, o nosso filho podia nascer a qualquer momento.
Agarrei no telemóvel com as mãos a tremer e liguei ao meu marido, Tiago.
A chamada foi para a caixa de correio.
Liguei outra vez. E outra. Na quinta tentativa, ele finalmente atendeu. A sua voz estava sonolenta e irritada, com música alta ao fundo.
"Sofia? O que se passa? Estou ocupado."
"Tiago, estou a sangrar. Acho que é o bebé. Preciso de ir para o hospital." A minha voz falhou, o pânico a subir pela minha garganta.
Houve uma pausa. Ouvi a voz da minha cunhada, Lara, ao fundo. "Tiago, querido, volta para a cama. Está frio."
A voz dele suavizou instantaneamente quando lhe respondeu. "Já vou, meu amor. É só a Sofia a fazer drama."
Depois, de volta para mim, o seu tom era frio como gelo.
"Sofia, para de exagerar. Deves ter-te levantado demasiado depressa. Bebe um copo de água e volta para a cama. A Lara não se está a sentir bem, não posso deixá-la sozinha."
"Ela não se está a sentir bem? Tiago, eu estou a perder sangue! O nosso filho!"
"A Lara está com febre e teve um pesadelo. Precisa de mim," ele disse, como se isso explicasse tudo. "Liga a uma ambulância se estás tão preocupada. Tenho de ir."
Ele desligou.
Fiquei a olhar para o telemóvel, incrédula. A dor na minha barriga intensificou-se, uma onda de agonia que me fez dobrar.
Sozinha, com o sangue a manchar os lençóis, chamei uma ambulância.
Enquanto esperava, liguei para o meu sogro, o Sr. Almeida. Talvez ele tivesse algum bom senso.
"Estou? Sofia?" A sua voz era brusca. "Porque estás a ligar a esta hora? Aconteceu alguma coisa à Lara?"
A sua primeira preocupação foi com a filha. Nem sequer com o próprio filho, muito menos com a sua nora grávida.
"Eu... eu preciso de ajuda. Estou a sangrar. O Tiago não atende."
"O Tiago está a cuidar da irmã dele. Ela está doente. Não o perturbes com ninharias. És uma mulher adulta, resolve os teus próprios problemas."
Ele desligou também.
As lágrimas que eu estava a segurar finalmente caíram, quentes e silenciosas. Não eram lágrimas de tristeza, mas de uma clareza terrível e fria.
Naquela casa, para aquela família, eu e o meu filho por nascer não significávamos nada.
A Lara, a sua preciosa filha e irmã, era tudo.
A sirene da ambulância soou ao longe, um som solitário na noite escura.