Tiago chegou finalmente ao meio-dia. Ele não parecia um pai em luto. Parecia um homem que tinha sido arrastado para longe de algo mais importante.
Ele parou à porta, o seu olhar a passar por mim e a fixar-se na mãe dele.
"Mãe, o que se passa? O pai ligou-me em pânico."
A Sra. Almeida levantou-se, o seu rosto zangado. "O que se passa, Tiago? A tua mulher perdeu o vosso filho. É isso que se passa."
O olhar do Tiago finalmente pousou em mim. Havia irritação nos seus olhos, não tristeza.
"Sofia, o que aconteceu? O médico disse que tiveste uma complicação."
"Eu liguei-te," disse eu, a minha voz era um sussurro rouco. "Liguei-te muitas vezes. Tu disseste que eu estava a fazer drama."
Ele teve a decência de parecer um pouco envergonhado. "Eu não sabia que era tão sério. A Lara estava a arder em febre, eu estava preocupado."
"Uma febre," repeti eu, a palavra tinha um sabor amargo. "O nosso filho morreu por causa de uma febre."
"Não sejas injusta!" ele retorquiu, a sua voz a subir. "Como é que eu podia adivinhar? Tu estás sempre a queixar-te de alguma coisa. Pensei que era só mais uma das tuas crises."
O choque das suas palavras foi como um soco no estômago. Mais forte do que a dor física.
"Uma crise?"
"Sim, uma crise! Estás sempre a precisar de atenção. A Lara é frágil, ela precisa de cuidados. Tu és forte, pensei que aguentavas."
Olhei para ele. O homem com quem me casei, o homem que eu pensei que me amava. Ele estava à minha frente a culpar-me pela morte do nosso filho.
Uma calma fria apoderou-se de mim.
"Quero o divórcio, Tiago."
Ele ficou boquiaberto, como se eu lhe tivesse dado uma bofetada. "O quê? Divórcio? Estás a brincar? Acabámos de perder um filho, e tu estás a falar em divórcio? Não tens coração?"
"Não," disse eu, e era verdade. Naquele momento, eu não tinha coração. Ele tinha-o arrancado e deitado fora. "O meu coração desapareceu com o meu filho. O filho que tu deixaste morrer porque a tua irmã tinha febre."
"Isso não é justo!" ele gritou. "A minha família precisa de mim!"
"Eu era a tua família," sussurrei eu. "Eu e o teu filho. Mas tu fizeste a tua escolha."
Virei o rosto para a janela, a conversa tinha acabado. A minha sogra estava a chorar silenciosamente no canto. O Tiago ficou ali parado por um momento, a respirar com força, e depois saiu do quarto, batendo a porta atrás de si.
O som ecoou no quarto vazio. O som do fim.