Acordei num quarto de hospital branco e estéril. O cheiro a antissético enchia as minhas narinas. A minha barriga, antes redonda e cheia de vida, estava agora vazia e flácida sob o lençol fino.
A minha mãe estava sentada numa cadeira ao lado da cama. Tinha a cabeça ligada, mas os seus olhos estavam claros e cheios de uma dor que espelhava a minha.
"O bebé..." sussurrei, embora já soubesse a resposta.
As lágrimas encheram os olhos dela. "Lamento muito, minha filha. Os médicos fizeram o que puderam."
Fechei os olhos. Não chorei. Senti apenas um vazio imenso, um buraco negro onde antes havia esperança e amor. O meu filho tinha-se ido. A única coisa que me ligava a Pedro, a razão pela qual eu suportava tudo, tinha desaparecido.
A porta do quarto abriu-se. Eram eles. Pedro, o seu pai Jorge, e a Clara, que coxeava dramaticamente, apoiada no braço do meu marido.
"Sofia," disse Pedro, sem um pingo de remorso na voz. "Que susto nos pregaste. Tivemos de vir a correr do outro lado da cidade."
"A correr?" A minha voz era fria e sem emoção. "Demoraram seis horas. A cirurgia acabou há três."
Jorge franziu a testa, o seu olhar era de desaprovação. "Não sejas ingrata. Viemos assim que pudemos. A Clara estava em choque. Tivemos de a levar primeiro ao hospital privado dela."
"O tornozelo dela está bem?" perguntei, o sarcasmo a pingar de cada palavra.
"Foi uma entorse grave," disse Clara, com a voz fraca e chorosa. "O médico disse que tive sorte. Podia ter ficado aleijada."
Olhei para a ligadura imaculada no tornozelo dela e depois para a ligadura ensanguentada na cabeça da minha mãe. Olhei para o meu ventre vazio.
Senti uma calma estranha tomar conta de mim. A calma da decisão final.
"Pedro," disse eu, olhando diretamente nos olhos dele. "Eu quero o divórcio."