Recusei o transporte médico e apanhei um táxi para a casa dos meus sogros. Era o ponto de encontro combinado para emergências. Durante todo o caminho, imaginei o seu rosto preocupado, os seus braços a envolverem-me.
Paguei ao motorista e arrastei-me pelo portão da frente. A casa estava intacta, as luzes acesas. A porta estava aberta.
Entrei e o som de vozes preocupadas atingiu-me.
"Sofia, querida, bebe um pouco de água com açúcar. Vai ajudar com o choque."
Era a minha sogra, Helena.
"O meu braço dói tanto, Pedro. Achas que está partido?"
Essa era a voz chorosa de Sofia, a irmã adotiva do meu marido.
Eu parei na entrada da sala de estar, coberta de pó da cabeça aos pés, com um corte na testa a sangrar lentamente.
Ninguém me notou.
Pedro estava ajoelhado em frente a Sofia, que estava sentada no sofá. Ele examinava o seu braço com uma delicadeza que eu não via há anos. A minha sogra afagava o cabelo de Sofia, enquanto o meu sogro, Sérgio, pairava por perto com um kit de primeiros socorros.
Sofia tinha um pequeno arranhão no cotovelo. Nada mais.
Finalmente, Helena levantou a cabeça e viu-me. O seu rosto não mostrou alívio, apenas irritação.
"Lia! Onde te meteste? Deixaste-nos a todos loucos de preocupação!"
Pedro virou-se. O seu olhar passou por mim, pelo meu rosto ensanguentado, pelas minhas roupas rasgadas, e depois voltou para Sofia.
"Estás bem? Porque demoraste tanto? Eu fui buscar a Sofia assim que o tremor parou."
A sua voz era fria, acusadora.
Fui buscar a Sofia.
O escritório dela ficava do outro lado da cidade, numa zona que os noticiários diziam ter sofrido danos mínimos. O meu escritório, o nosso apartamento, tudo o que tínhamos, ficava no epicentro.
"Eu... eu estava presa," consegui dizer. "O prédio ruiu."
Sérgio suspirou, impaciente. "Bem, o importante é que estás aqui agora. Vês, Pedro? Eu disse que ela ia aparecer. Não havia necessidade de tanto pânico."
Pânico? Eles não pareciam em pânico. Pareciam incomodados.
Sofia começou a chorar mais alto. "A culpa é minha. Se eu não tivesse ligado ao Pedro, ele teria ido procurar-te primeiro. Lia, por favor, não fiques zangada com ele."
Ninguém olhou para mim. Toda a atenção voltou para ela.
Foi então que senti. Uma dor aguda e terrível no meu ventre. Uma cãibra tão forte que me tirou o fôlego.
Olhei para baixo, para as minhas pernas. Um fio escuro de sangue escorria pela minha calça clara.
O nosso bebé. O nosso bebé de sete meses.
Pedro seguiu o meu olhar. Os seus olhos arregalaram-se, mas não com a preocupação que eu esperava. Foi com um horror distante, como se estivesse a ver uma cena num filme.
"Meu Deus," sussurrei, antes de as minhas pernas cederem e o mundo ficar preto.