Justiça Sob os Escombros
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Capítulo 4

Quando finalmente tive alta do hospital, não fui para o apartamento que partilhava com Pedro. Não conseguia. A ideia de entrar no quarto do bebé, com o berço montado e as pequenas roupas dobradas, era mais do que eu podia suportar.

Em vez disso, fui para um pequeno hotel no centro da cidade. Paguei por uma semana com o meu próprio cartão de crédito.

O quarto era impessoal e limpo. Não havia memórias ali. Era perfeito.

Na primeira noite, o silêncio era ensurdecedor. Sem o peso na minha barriga, sem os pequenos pontapés, eu sentia-me estranhamente leve e completamente vazia.

Foi então que as memórias começaram a vir, não como um dilúvio, mas como pequenos flashes dolorosos.

Lembrei-me do nosso último aniversário de casamento, há apenas três meses. Eu tinha reservado uma mesa no nosso restaurante favorito, comprado um vestido novo. Esperei por ele durante duas horas.

Quando finalmente lhe liguei, ele atendeu, irritado.

"Lia, não posso falar agora. Estou ocupado."

Ao fundo, ouvi a voz de Sofia. "Pedro, achas que este sofá fica melhor aqui ou contra a outra parede?"

Ele estava a ajudá-la a mudar-se para o seu novo apartamento. Um apartamento que os pais dele lhe compraram. Ele tinha-se esquecido completamente do nosso aniversário.

"Ah," foi tudo o que eu disse. "Está bem."

Ele desligou.

Mais tarde, ele chegou a casa, exausto, e atirou-se para o sofá.

"A Sofia manda-te um beijo. Ela adora o novo apartamento. Estivemos a montar móveis o dia todo."

Ele nem sequer reparou no meu vestido, ou na minha desilusão. Adormeceu em frente à televisão. Eu comi a minha fatia de bolo de aniversário sozinha, na cozinha.

Outra memória. Um jantar de família, algumas semanas antes. Eu estava a falar sobre os meus planos para a licença de maternidade, como queria montar um pequeno negócio online a partir de casa.

Sérgio interrompeu-me. "Isso é bom, Lia, mas não te esqueças que a tua principal prioridade agora é a família. Ser mãe e esposa."

Nesse mesmo jantar, Sofia anunciou que queria fazer um curso de cerâmica caríssimo.

Helena bateu palmas de alegria. "Que ideia maravilhosa, querida! O teu pai e eu pagamos, claro. Tens de seguir os teus sonhos."

Pedro sorriu para ela. "Isso é fantástico, Sofia. Vais ser uma grande artista."

Os meus sonhos eram secundários. Os dela eram para ser celebrados e financiados.

Estas não eram grandes traições. Eram pequenas farpas, pequenos atos de desconsideração que eu tinha ignorado, desculpado, engolido. Tinha dito a mim mesma que ele me amava, que a família dele era apenas... protetora com a Sofia.

Mas agora, à luz da tragédia, via o padrão. O terramoto não criou a fenda entre nós. Apenas a tornou tão grande que eu já não a podia ignorar.

Eu não era a sua prioridade. O nosso filho não era a sua prioridade. Eu era um acessório, uma conveniência. Sofia era o centro do seu universo.

E eu, estupidamente, tinha permitido.

                         

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